domingo, 27 de fevereiro de 2022

"Kissing a Fool", por George Michael: a Melhor Música do Ano de 2021

Capa do álbum Faith.

COM CERTEZA ESTA foi a música que eu mais escutei em 2021.
Abro 2022 falando sobre a canção Kissing a Fool, de George Michael em seu álbum de estreia nomeado Faith. A música foi um sucesso total, mesmo não sendo a de mais sucesso na época do lançamento. Sendo o único dos cinco singles que não ocupou o primeiro lugar da Billboard Hot 100 nos E.U.A. — os outros quatro sendo Faith, Father Figure, One More Try e Monkey —, chegou ao primeiro lugar da Hot Adult Contemporary Tracks.
Michael disse que escreveu a música a caminho do Japão para um tour do Wham! que aconteceria em 1985, porém, assim como aconteceu com outras músicas que ele escreveu na época, Kissing a Fool não podia ser usada para o Wham! por causa de algumas restrições pra imagem da dupla. Por isso ela só saiu em 1987, no primeiro álbum solo do cantor.
De acordo com Michael, “Eu não acho que fui influenciado por outros amigos sobre com quem eu devia ou não sair. Kissing a Fool não é sobre isso. É sobre um relacionamento que tive com alguém que eu não podia sustentar devido a quem eu era. Na época, a recepção da música me surpreendeu. Primeiro porque eu não sabia o quanto eu tinha conquistado e segundo porque eu não sabia que ela podia ter suas limitações. Eu a pensei naquele estilo para dançar agarradinho porque eu acho que aquele período musical estava rejeitando isso. É uma daquelas músicas pra se ouvir juntos tarde da noite.”
Deixo abaixo a música e sua tradução — como de praxe quando trago músicas neste blog.


"Beijando um Tolo", por George Michael

Você está distante
Quando eu poderia ter sido sua estrela
Você deu ouvido às pessoas
Que te assustaram e afastaram do meu coração
Estranho que você foi tão forte
Por ter até começado
Mas você nunca vai encontrar
Paz interior
Até que ouça o seu coração

Pessoas
Você nunca pode mudar o jeito que sentem
Melhor deixá-las fazer o que elas desejam
Para o bem delas
Se você deixá-las
Roubarem seu coração de você
Pessoas
Sempre farão um apaixonado parecer um tolo
Mas você sabia que eu te amava
Nós poderíamos ter mostrado a todos
Nós deveríamos ter visto o amor além de tudo isso

Iludiu-me com lágrimas em seus olhos
Cobriu-me de beijos e mentiras
Então adeus
Mas por favor não leve meu coração

Você está distante
Mas eu nunca serei sua estrela
Eu catarei os pedacinhos
E repararei meu coração
Talvez eu serei forte o bastante
Eu não sei por onde começar
Mas eu nunca encontrarei
Paz interior
Enquanto eu ouvir o meu coração

Pessoas
Você nunca pode mudar o jeito que sentem
Melhor deixá-las fazer o que elas desejam
Para o bem delas
Se você deixá-las roubarem seu coração
E pessoas
Sempre farão um apaixonado parecer um tolo
Mas você sabia que eu te amava
Nós poderíamos ter mostrado a todos

Mas lembre-se disso
Qualquer outro beijo
Que você der
Enquanto nós dois vivermos
Quando você precisar da mão de outro homem
Alguém para quem você possa realmente se render
Esperarei por você
Como sempre faço
Há algo aí
Que não se pode comparar
Com nada mais

Você está distante
Quando eu poderia ter sido sua estrela
Você deu ouvido às pessoas
Que te assustaram e afastaram do meu coração
Estranho que eu estivesse tão errado
Em pensar que você me amava também
Eu acho que você estava beijando um tolo
Você devia estar beijando um tolo

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Roy Thomas sobre o fim da tira do Homem-Aranha

O lendário Roy Thomas.

EM ALGUM PONTO nos primeiros meses dos anos 2000, eu mandei uma mensagem pro Stan Lee dizendo que adoraria fazer algum trabalho pra
Stan Lee Media — a companhia bem-divulgada, multi-equipe, online do Stan — se ele precisasse de mim. Ele me respondeu que, além de que ele gostaria de trabalhar comigo novamente, eu teria de estar em algum lugar de Los Angeles para trabalhar pra SLM, mas também disse que, por coincidência, ele realmente precisava de um escritor pra trabalhar com ele na tira de jornal O Espetacular Homem-Aranha, pra resumir e escrever o primeiro roteiro da tira de sete dias do [Sindicato] King Features. Eu disse que achava tranquilo (mesmo que eu nunca tivesse trabalhado escrevendo mesmo o Homem-Aranha como trabalhei escrevendo o Quarteto Fantástico, os Vingadores, o Conan, etc.). Ele respondeu com uma risada dizendo que talvez eu devesse esperar até ouvir a oferta que ele tinha, porque o dinheiro era pouco: só 300 dólares semanais. Eu ri e disse a ele que ele não tinha ideia do quão pouco me custava pra viver no meu terreno de 40 acres[1] no meio da Carolina do Sul. Então, um negócio foi rapidamente feito, e eu comecei a trabalhar, com minha primeira tira (uma de segunda, é claro) saindo no dia 17 de julho de 2000.

A tira de 17 de julho de 2000. A tira de 16 de julho, domingo, trazia
no último quadro que dizia o que aconteceria a seguir os dizeres:
"Um novo começo".

Conforme o andar da coisa, mesmo não recebendo um aumento em 18 anos e meio, eu basicamente escrevi a tira de forma anônima (porém, até os últimos anos, com as mãos de Stan editando), mas foi uma jornada ótima. Eu gastava talvez uns dois dias do mês escrevendo quatro semanas de tiras, e outros dois ou três dias no ano escrevendo quais seriam as próximas histórias.
Depois que o Stan parou suas atividades há alguns anos, após ter de instalar seu marcapasso, trabalhei primeiramente com seu assistente antigo Michael Kelly, com algumas indiretas verbais do próprio Stan, e, de certas formas, eu gostava ainda mais de trabalhar assim, já que Stan e eu estávamos apenas 80% na mesma página sobre o que fazia uma tira de jornal ser boa. Apesar da sua conhecida (e correta) visão do quão importante a escrita era para o sucesso da Marvel Comics de 1961 pra frente, ele falava constantemente sobre como era a arte que vendia bem uma tira de jornal. Eu não achava que isso refletia as realidades da situação, particularmente depois que o John Romita saiu da tira, alguns anos depois do começo dela, e como as tiras foram diminuindo e diminuindo cada vez mais nos jornais. O irmão de Stan, Larry Lieber, era um desenhista experiente (e Alex Saviuk era consideravelmente melhor), mas os artistas não tinham muito espaço, especialmente com as tiras diárias, pra fazer o tipo de arte que iria empolgar os leitores do jeito que, por exemplo, Milton Caniff conseguiu fazer em sua Terry and the Pirates [Terry e os Piratas]. Uma cena com o Aranha ou o Dr. Octopus numa tira pode atrair algumas pessoas, mas a escrita devia trazer os leitores de volta, dia após dia, já que o Aranha e o Peter e a MJ e o Dr. Octopus seriam basicamente sempre os mesmos, apertados em painéis pequenos — sem chance de termos uma página inteira como teríamos nos gibis. E, sim, eu escrevi um pouco mais de texto e diálogo do que ele fez, mas era algo parcial, porque eu não tinha a certeza de que as pessoas iriam acompanhar a tira diariamente, ou pelo menos, nenhum novo leitor iria começar a acompanhar a tira se ela fosse difícil de ser lida a partir de qualquer momento [de uma história].
Na maioria das vezes, entretanto, o Stan e eu nos demos muito bem. Na maior parte do tempo, ele gostava do que eu enviava, aceitando a maioria (mas não todas) das ideias que eu tinha para as histórias, e até alguns anos atrás frequentemente “sugeria” (ou insistia em) alterações nelas. Por alguns anos, ele chegou a reescrever um painel ou balão aqui e ali, ou até mais, enquanto que outras diárias ou dominicais passavam direto sem nenhuma mudança.
A maior mudança que eu tentei realizar, depois do primeiro filme do Homem-Aranha, foi tentar voltar num tempo quando a Mary Jane e o Peter não eram casados. Stan concordou e parecia até entusiasmado sobre a mudança no começo, e fizemos uma história inteira (envolvendo o Electro) com essa premissa. Mas quando o Stan mudou de ideia, eu percebi de cara que não seria capaz de reverter tudo. Então eu escrevi uma cena do tipo
Dallas[2] em que Peter acordava (depois de ir dormir no apartamento da tia May estando solteiro) e descobria que estava casado (de novo) com a Mary Jane, e foi assim que a gente manteve os dois desde então. E, na verdade, eu fiquei plenamente satisfeito com aquilo, pois foi uma alternativa às enrolações feitas nos gibis, em que o casal esqueceu completamente um ao outro e seu casamento, e sabe-se lá o que aconteceu entre ambos. Deixado inteiramente às minhas capacidades, e baseado na carreira de modelo da Mary Jane nos gibis, eu gradualmente a retirei do trabalho que ela tinha numa loja de computadores para fazer com que ela se tornasse uma estrela da Broadway e uma atriz de filmes, fazendo o papel de uma super-heroína chamada Marvella (antes mesmo da Capitã Marvel ser o que ela é hoje, ou talvez foi durante o período em que ela começou a ser), mas mantive ela junto ao Peter, de certa forma incongruente, em seu relativamente pequeno apartamento no Manhattan (exceto quando eles foram pra Los Angeles, claro), mas às vezes eles faziam compras caras.
Nos últimos anos, eu aumentei consideravelmente o número de participações especiais na tira: Wolverine, Homem de Ferro, Thor, Viúva Negra, Homem-Formiga, e, mais recentemente, o Punho de Ferro e o Luke Cage. A gente nunca se preocupou em tentar seguir a atual continuidade da Marvel, pois o Stan não queria mesmo fazer isso, exceto que, eu suponho, de tempos em tempos a gente dava umas pausas bruscas ou recomeços, como o exemplo dito do Peter e Mary Jane não estarem casados. Se existiam eventualmente múltiplos universos de Homens-Aranha nos quadrinhos (com diferentes Homens-Aranha, Mulher-Aranha, entre outros), bom, nosso universo na tira era somente mais um, porém o único, nos tempos mais recentes, em que Peter e Mary Jane ainda estavam juntos e casados, continuando a direção original tomada anos atrás nos gibis. A gente tinha muito orgulho disso.
Quando a tira morreu (ou melhor, foi morta), o Teatro Mammon em que a Mary Jane estava se apresentando foi fechado por conta de um dano crítico (claro, causado por uma luta do Homem-Aranha), e o “Marvella 2” acabou cancelado, então o casal decidiu viajar pra Austrália para tirar umas férias, e eu escrevi algumas semanas dessa continuação (com a aprovação total do Michael Kelly) envolvendo o vilão Kangaroo [Canguru]. Então, a Marvel decidiu encerrar a tira e não imprimir as últimas semanas, e eu me recusei a escrever as últimas tiras de modo a torná-las num “adeus”. Meu sentimento era que eu tinha aceitado o farelo da tira, então não tornei algo pessoal. Foi apenas um negócio — mesmo acontecendo que, quando eu soube que a tira ia acabar, eu não fiquei sabendo que, talvez porque aqueles que me disseram a notícia não sabiam dessa parte, a Marvel estava planejando ou reviver a tira com uma nova equipe criativa ou começar uma nova tira que não seria apenas do Homem-Aranha, mas algo mais parecido com o que a DC fez com a tira
The World’s Greatest Superheroes [Os Maiores Super-Heróis do Mundo], que tinha a participação de diversos dos heróis da DC (e, futuramente, passou a focar apenas no Superman). Eu senti que tinha escrito o que precisava ser escrito pra tira, e eles tinham a liberdade de fazer o que quiser com o roteiro (desde que eu fosse pago por aquilo que tinha feito originalmente), mas preferi não mexer mais. Quando eu termino alguma coisa, eu realmente termino essa alguma coisa.
Alex Saviuk, que seja abençoado, graciosamente redesenhou a última tira para mostrar nós dois juntos, e adicionou uma manchete com
“‘Nuff said!” no Clarim Diário. Talvez ele fosse mais prático para as coisas do que eu, e eu realmente o admiro por isso, já que ele gastou mais de duas décadas desenhando a tira dominical do Aranha e ainda tinha sido promovido a desenhar também as diárias perto do fim, só pra ver a tira ser cancelada pouquíssimo tempo depois, deixando-o sem um trabalho regular. Eu espero mesmo que ele encontre um. Ele merece.

A última tira do O Espetacular Homem-Aranha, datada de 23 de março
de 2019. Roteiro de Roy Thomas e arte de Alex Saviuk.

Naturalmente, eu senti muito pelo fim da tira (ainda mais porque isso significava o fim da única tira de aventura que ainda saía e que tinha sido lançada depois da metade do século passado), assim como também pelo fato de que nunca pude receber o crédito nas tiras pelo trabalho que nelas eu fiz — mesmo que eu, é claro, tenha feito aquelas tiras de Conan the Barbarian [Conan, o Bárbaro] no fim dos anos 1970. Mas, pelo menos, sei que certa vez Stan escreveu vagamente, talvez há uma década, em sua introdução ao livro Marvel Visionaries: Roy Thomas [Os Visionários da Marvel: Roy Thomas], que eu “o ajudava” com a tira do Aranha. Todo mundo com meio cérebro sabia com o que eu contribuía com a tira, de todo jeito. Aquilo não incomodou o Stan, nem me incomodou. A tira era criação do Stan, e eu estava feliz de escrevê-la, mesmo tendo de usar o nome dele, mas eu não gostaria de seguir fazendo essa escrita anônima depois que ele faleceu, se essa alternativa me tivesse sido feita.
Trabalhar com o Stan Lee e o Michael Kelly, assim como com Larry Lieber, Alex Saviuk e o incrível Joe Sinnott — que foi ocasionalmente auxiliado por Jim Amash ou Terry Austin — na tira do Homem-Aranha foi uma experiência muito boa, e eu sou grato ao Stan por ele ter me oferecido esse “negócio” lá em 2000. A tira se tornou a última de nossas muitas colaborações, entre as várias que fizemos, que começou quando, no começo de julho de 1965, eu escrevi uma história de Modelling with Millie [Modelando com Millie], com arte do Stan Goldberg, que teve toda a supervisão feita por ele [o único Stan Lee].

Roy Thomas escreveu está carta
para o Bleeding Cool em 2019.

_____
Notas:
[1] 161.874 metros quadrados.
[2] Exibida entre 1978 e 1991 nos Estados Unidos, a série de TV Dallas foi de grande sucesso, tendo um total de 357 episódios distribuídos em 14 temporadas. Roy faz referência à série pois a nona temporada se revelou, no fim, somente um sonho de uma das personagens.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Um dia por vez: a tira de jornal do Espetacular Homem-Aranha

Matéria originalmente publicada na revista da editora TwoMorrows Back Issue #44, de setembro de 2010.

Por Dewey Cassell
Tradução por Lucas Cristovam

Painel de abertura da tira dominical do Homem-Aranha,
com arte de John Romita.

A PARTE MAIS DIFÍCIL era sempre a espera. Ao fim de cada edição do gibi O Espetacular Homem-Aranha, o teioso estaria prestes a ser derrotado pelas mãos do mais novo vilão, e eu teria de esperar até o próximo mês para descobrir como a história se desenrolaria. Era uma tortura sem medida, pelo menos para um garoto de 12 anos. Se ao menos eu pudesse ter uma dose diária do Aranha...
Com o sucesso contínuo do Homem-Aranha nos gibis, desenhos animados e outras mídias, não era surpresa que a Marvel tentaria se juntar à página de quadrinhos dos jornais como outra forma de espalhar a palavra do lançador de teias. De fato, o editor e roteirista Stan Lee e o artista John Romita Sr. da Marvel prepararam uma proposta para uma tira do Homem-Aranha por volta de 1970, com duas semanas de tiras tendo um vilão chamado Phantom Burglar [algo como “Ladrão Fantasma”], mas ela nunca decolou. Não foi até 1977 que o mascote da Marvel teve estreia nos jornais, uma cortesia do Sindicato Register e Tribune (que foi comprado posteriormente pelo Sindicato King Features).

A primeira semana de tiras do Homem-Aranha,
de 3 a 9 de janeiro de 1977.

Converter um gibi numa tira era mais difícil do que se pode pensar. O desafio tinha certa escala, como Stan Lee explicou na edição #1208 da Comics Buyer’s Guide [Guia do Comprador de Gibis]: “O maior problema era como fazer uma cena de luta numa tira de jornal. Se o Homem-Aranha desse um soco na cara de um personagem, você teria de esperar até o dia seguinte só para ver esse personagem cair no chão!”

STAN “THE MAN” E “JAZZY” JOHNNY

Para encarar tal desafio, Lee se juntou ao vivaz artista do Aranha, e também diretor de arte da Marvel, John Romita. Juntos, eles conseguiram “reduzir” Peter Parker às tiras, focando tanto em Parker como em seu alter ego. (Lee chegou até a dizer que a tira era uma “novela de super-herói”.) De certa forma, não é difícil assumir que a fórmula deu certo, dado que era o lado humano falho do Homem-Aranha que deixava o personagem tão carismático nos gibis.
Com o passar dos anos, a tira teve a participação de diversos heróis dos gibis da Marvel — incluindo o Doutor Estranho, o Demolidor e Namor —, assim como os vilões clássicos do teioso — como o Doutor Destino, Kraven o Caçador, o Rei do Crime, Mystério e o Doutor Octopus —, mas as temáticas da tira eram inteiramente únicas. Alguns personagens de apoio, como Flash Thompson e Harry Osborn, apareceram nos primeiros anos da tira, mas desapareceram com o passar do tempo. Parte da ideia de não manter uma continuidade com o universo dos gibis é tida porque os leitores de jornal podem não ter tanta familiaridade com o que acontece nas revistas. Só tiveram três ocasiões em que a tira foi direta e paralelamente ligada aos gibis. A primeira vez foi com o casamento de Peter Parker e Mary Jane Watson, em junho de 1987. A versão em gibi foi publicada como O Espetacular Homem-Aranha Anual #21, e até uma celebração ao vivo foi feita no Shea Stadium, com o próprio Stan Lee sediando o evento. A segunda ocasião foi com o arco “Homem-Aranha: A Agenda Mutante”, que saiu entre dezembro de 1993 e março de 1994, tendo o Fera dos X-Men e o vilão Duende Macabro como participantes, no primeiro crossover entre dois formatos. A terceira e mais recente ocasião foi o arco “Brand New Day” [“Um Novo Dia”, no Brasil] de 2008, que reiniciou os personagens à época em que ambos não estavam casados. Entretanto, as reações dos leitores quanto às mudanças na tira de jornal foram tão negativas que Stan Lee decidiu que tudo aquilo era apenas um sonho ruim e restaurou a tira ao que ela era originalmente.

Página dominical de 21 de junho de 1987, com o casamento
de Peter Parker e Mary Jane Watson. Roteiro de Stan Lee
e arte de Flor Dery.

Algumas tiras do arco A Agenda Mutante, que foi um crossover entre a
tira e o gibi em 1994. 
Roteiro de Stan Lee e arte de Larry Lieber.

As três primeiras tiras do arco que reiniciou a vida de Peter Parker
nas tiras de jornal, lançadas entre 31 de dezembro de 2008 e 2 de
janeiro de 2009. Roteiro de Roy Thomas e arte de Larry Lieber.

Lee escreveu O Espetacular Homem-Aranha desde o começo. Os arcos variavam em tamanho, durando, em média, de oito a doze semanas, mas algumas histórias chegaram a sete meses enquanto que outras tiveram apenas dez dias. Tais arcos não possuíam título — mas, por um breve período, novas histórias começavam com um logo no primeiro quadro da primeira tira. Hoje, a narração ao fim do último quadro da tira dominical é o responsável por geralmente anunciar qual será a próxima história. Quando perguntado sobre como ele mantinha a tira atual e interessante depois de todos os anos, Stan respondeu, “É difícil, mas, ei, esse é meu trabalho. É por isso que eu escrevo quadrinhos ao invés de trabalhar num laboratório ou ser um astronauta”.
Romita ficou na tira pelos quatro primeiros anos, desenhando tanto as diárias quanto as dominicais, com ocasionais assistências de Fred Kida e John Verporteen. Romita desenhou diversos novos personagens que eram exclusivos da tira de jornal, incluindo vilões como o Rattler [Crotalus] e o Protector [Protetor], assim como um interesse amoroso para Peter Parker chamada Carole Jennings. Durante aquela época, Romita também manteve seu papel de diretor de arte na Marvel, suspeitando de que a tira não iria longe. Sobre se arrepender ou não de ter deixado a tira, Romita comentou em seu A arte de John Romita: “Tenho emoções mistas sobre ela. Era um trabalho complicado, mas eu amava a ideia de alcançar pessoas no mundo todo através de seus jornais diários”.

LARRY LIEBER E FRED KIDA

Romita foi sucedido durante um pequeno tempo por Larry Lieber, e então, subsequentemente, por Fred Kida, que desenhou as tiras diárias de agosto de 1981 a julho de 1986. Quando perguntado sobre como ele se envolveu com a tira diária de forma regular, Kida recorda: “Foi o John Romita que me pediu pra fazer”. E ele não achava que a tira era algo tão complexo assim. “Eu sempre gostei de desenhá-la. Não tinha nada de complicado [sobre a tira]”. Porém, ele chegou a um ponto em que não queria mais desenhá-la. Quando questionado sobre o motivo de abandoná-la, ele somente disse: “[A tira] tinha muita violência”.

A bela arte de Fred Kida em duas tiras datadas de 9 e 18 de junho de 1983.

Depois de Kida sair da arte, Dan Barry teve uma curta passagem na arte diária antes de Larry Lieber retornar em janeiro de 1987, onde se encontra até os dias de hoje. Floro Dery ficou por dez anos fazendo o lápis das páginas dominicais, seguido por uma série de artistas, incluindo Ron Frenz, Sal Buscema, Paul Ryan e Alex Saviuk, que desenhou a tira dominical começando em 1997 e segue nela até os dias de hoje, realizando a arte-final também. Outros arte-finalistas incluem Mike Esposito, Frank Giacoia, Joe Giella, Tom Morgan, Dave Simons e Joe Sinnott, que auxilia Saviuk hoje. Um grande número de artistas participou de forma anônima na tira com o passar dos anos, incluindo George Tuska.
De todos os artistas que desenharam a tira O Espetacular Homem-Aranha, nenhum deles é mais associado a ela do que Larry Lieber. Lieber já estava desenhando a tira O Incrível Hulk desde sua criação em 1978, mas não foi exatamente um começo suave com o Aranha. Lieber relembra: “Eu já havia tentado previamente, quando o Romita saiu, mas não fui capaz de manter o cronograma. Assim que você termina uma semana, já tem que começar com as artes da próxima. Eu não era rápido o suficiente. Então eu fiz algumas páginas dominicais aqui e ali por um tempo até que Fred Kida assumiu o cargo. Então, por algum motivo, ele quis sair, depois de um tempo. O Stan encontrou alguém pra seguir na tira, mas não deu certo. Então ele me perguntou se eu queria fazê-la. Tentei dessa vez e aí consegui manter o cronograma. Tanto que já estou fazendo a tira por 23 anos.”
O segredo pra manter tal cronograma finalmente provou ser um problema de entender seus limites, como Lieber comenta: “Comecei só fazendo o lápis da tira, enquanto outra pessoa finalizava, e, depois de um tempo, eu senti que queria finalizar sozinho. Não tinha feito a arte-final de forma profissional na indústria até então. Só os lápis. Mas senti que queria finalizar minha própria tira. E eu gostei do jeito que fiz porque refletiu pra onde eu estava querendo ir ao fazer o lápis, e era só continuar com a tinta. Mas era trabalhoso demais. Fiz esse trabalho por anos e, nos últimos anos, me encontrava sentado virando a noite na prancheta. Acabou se tornando algo pesado pra mim. Então finalmente deixei essa parte e outras pessoas estão no comando desde então.”

Três tiras diferentes com arte de Larry Lieber. Datas: 14 de março e 16 de julho
de 2007 e 31 de março de 2008.

Diferente do “método Marvel”, usado nos gibis, em que o artista recebia apenas uma sinopse da história, a tira de jornal é produzida com roteiro completo. Felizmente, Lee e Lieber, que são irmãos, se falam bem e com constância. Lieber comenta: “Recebo roteiros completos. Posso até fazer certas mudanças, se eu quiser, e tudo o mais, mas o roteiro é fechadinho, o que é ótimo. [Stan] me manda os roteiros e eu desenho, por isso ligo pra ele todas as semanas. Reduzo os lápis e mando para ele. Tento até enviar a tira já finalizada, mas às vezes não é possível, então ele vê apenas esboços, mas isso é o suficiente pra ele ver se eu desenhei a cena corretamente. Então ele comenta um pouco, e geralmente muda coisas nas falas, às vezes em alguns desenhos. Quando ele pedia certas mudanças, eu concordava. Eu posso ter sentido que talvez não era tão importante, mas pelo menos eu concordava. É um bom relacionamento que já dura anos.”
Mas é claro, a tira também apresenta algumas dificuldades. Sobre qual a coisa mais difícil em desenhar a tira, Lieber responde: “Pra mim, acho que é a mudança de aspecto da tira, que é meio romântica às vezes, quando Peter está com a Mary Jane, e eu preciso achar o clima pra torna-los atraentes e tento buscar as melhores expressões e poses, e também pensar de forma romântica, como um artista de romances. E então eu tenho de mudar para um artista de quadrinhos de super-herói. Você vai de um para outro — o que é o motivo que torna o Homem-Aranha um personagem desafiante, pois ele tem ambos os casos.”
Mas algumas dificuldades são resultadas da economia. Lieber adiciona: “Também tem o fato de a tira agora tem que ser bem, bem pequena para os jornais. É um desafio gigante tentar colocar algo como o Homem-Aranha em um espaço tão pequeno, por causa da natureza das histórias. Ele se balança em suas teias pelo meio da cidade e também sai subindo e descendo, escalando os prédios. E você ainda precisa deixar espaço pras letras e balões, tem os diálogos e narrativas, então não dá pra fazer algo pequeno demais ou seria ilegível. Então fazer isso tudo de um modo que dê pra compreender é bem difícil. Existem vários outros veículos e mídias para o Homem-Aranha que são visualmente empolgantes, e eu tenho minha pequena tira e preciso fazê-la interessante o suficiente para que os leitores queiram lê-la.”
“Não tenho um tempo tão grande, mas tento fazer alguns prédios realistas,” Lieber continua. “Eu não tento desenhar alguma rua em específico, mas tento fazer um prédio real que existiria em Nova Iorque. Tento dar o ‘sabor’ de Nova Iorque, com as roupas, a moda, mas não sou um dos modernos. Eu ainda gosto de certos padrões nas roupas, e hoje em dia as pessoas não usam muito esses padrões. Eu tento que seguir o que é feito na tira dominical o máximo que posso, porque é tudo contínuo, a mesma história, e a tira dominical é desenhada antes da diária. [Mas] muitos jornais não imprimem as duas, e se existe alguma variação, é melhor deixá-la entre uma dominical e uma diária do que entre uma diária e outra diária.”

Página dominical de 28 de dezembro de 2014, com lápis de Alex Saviuk
e arte final de Joe Sinnott.

Em certos aspectos, a tira dominical é mais fácil porque é colorida. “As cores são uma vantagem imensa, eu acho, pelo propósito de tornar algo mais claro. Se você tem uma camisa vermelha e calça verde ou algo, vai ser algo bem diferente com as cores, como se fossem coisas distintas mesmo. Mas, se está tudo em preto e branco, se você não tem as cores pra distinguir, então vai parecer uma coisa só, como se fosse um livro de colorir que não ganhou cor, a menos que alguma coisa seja totalmente preta. Pra tentar tornar diferente, é preciso adicionar sombras ou pintar tudo de preto. É preciso fazer isso pra tornar o desenho mais interessante no preto e branco.
Quando perguntado sobre ter um vilão favorito que ele gosta de desenhar, a resposta de Lieber é interessante: “Não um vilão. Meu personagem favorito pra desenhar é o [J. Jonah] Jameson. Eu adoro o Jameson. Ele é o mais divertido de fazer. Ele é humano demais e eu adoro as variedades de expressão que dá pra fazer. A Mary Jane — independente do que seja feito — é complicada, porque o primeiro critério é que ela precisa ser atrativa. Então não posso dar uma expressão qualquer que a deixaria menos atraente. E o Peter também precisa ser atraente. Então o Jameson é menos complicado por isso. Eu acho divertidíssimo explorar diferentes expressões. Geralmente, nos dias antigos, os artistas de quadrinhos tinham só duas expressões possíveis: ou um sorriso grande, ou uma cara de raiva com os dentes à mostra. Não existia meio termo. E, como dizem, ‘o meio termo não tem lugar nos quadrinhos’. Mas, nas tiras de jornais, existiram artistas que conseguiam fazer o meio termo. O que mais me influenciou foi o Stan Drake. Ele desenhou The Heart of Juliet Jones [O Coração de Juliet Jones]. Eu acho que ele foi o melhor que já existiu em fazer isso. A meta é ter uma combinação de sentimentos românticos de um Stan Drake com todo o poder de Jack Kirby.”
Por último, quando questionado se ainda gosta de fazer a tira O Espetacular Homem-Aranha, Lieber responde: “Sim. As pessoas me perguntam, ‘Você não fica entediado depois de tanto tempo?’, e eu não fiquei entediado porque eu considero a tira um desafio desde sempre. E eu acho que o que eu estou desenhando hoje é melhor do que o que eu desenhei quando comecei. Eu gosto do que fiz no passado, mas estou mais confiante agora. De certa forma, tem sido um processo de aprendizado. E, se você está aprendendo, não tem como ser entediante.”

SEGUINDO FIRME E FORTE

Durante o fim dos anos 1970, a Marvel lançou outras tiras de jornal relacionadas aos gibis, incluindo Howard the Duck [Howard, o Pato] (1977–1978), Conan the Barbarian [Conan, o Bárbaro] (1978–1981) e O Incrível Hulk (1978–1982). E a Distinta Competidora [DC] também se juntou à tendência no mesmo período, com The World’s Greatest Superheroes starring Superman [Os Maiores Super-Heróis do Mundo estrelando Superman] (1978–1985) e, posteriormente, Batman (1989–1991). Todas foram escritas e desenhadas por alguns dos melhores talentos da indústria, mas nenhuma provou ter o poder de vir pra ficar como a tira do Aranha.


Perguntado sobre o que torna a tira tão especial, Stan Lee responde: “Tem algo sobre o Peter Parker/Homem-Aranha que parece apelar para os leitores no mundo inteiro. Talvez seja o fato de que Peter é um personagem tão empático.” Fred Kida tinha sua própria perspectiva: “As pessoas gostam do Homem-Aranha. Ele é um herói que sempre faz coisas boas.” Larry Lieber chama um interessante paralelo para outra tira: “Pra mim, é incrível que Blondie [Belinda, no Brasil] esteja saindo por tantos e tantos anos como ainda sai e continua sendo interessante como foi no começo. Não tenho a certeza do porquê. Acho que foi por causa de um forte apelo e de fortes personagens que apelavam em qualquer lugar ou tempo. Acho que é a mesma ideia [com o Homem-Aranha]. Talvez as pessoas gostem mais do personagem, Peter Parker, um homem simples com sua esposa. Ele não é diferente. Tem lá suas peculiaridades, mas é como todo mundo.”

Nota: Após 42 anos de vida, a tira do Homem-Aranha teve seu fim em março de 2019. Larry Lieber se aposentou em 2018 e Alex Saviuk assumiu a arte até os últimos dias. Por mais que assinatura de Stan Lee estivesse presente na tira até o último dia, ele já não a escrevia desde 2000, sendo substituído pelo lendário Roy Thomas. Uma continuação foi prometida ao fim da tira, mas, até o presente momento, não foi cumprida nem pela Marvel nem pelo Sindicato King Features.

A última semana das tiras do Homem-Aranha, que saíram entre 17 e 23
de março de 2019. Roteiro de Roy Thomas, arte de Alex Saviuk e arte-final
de Joe Sinnott (na página dominical). A letrista foi Janice Chiang.

No Brasil, a editora Panini Comics está lançando os livros que compilam as tiras do Homem-Aranha desde o começo. Dois volumes foram publicados até o momento desta publicação. O primeiro compila as tiras de 1977 a 1979. O segundo contém as tiras de 1979 a 1981. O livro é baseado na edição norte-americana, publicada pela editora IDW.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Esmagando os sindicatos: a história da tira do Incrível Hulk

Matéria originalmente publicada na revista da editora TwoMorrows Back Issue #70, de fevereiro de 2014.

Por Dewey Cassell
Tradução por Lucas Cristovam

Painel de abertura da tira dominical do Incrível Hulk,
com arte de Larry Lieber.

COMO MUITAS COISAS na Marvel Comics, tudo começou com Stan Lee. O ano era 1977 e a Marvel tinha lançado uma tira de jornal diária baseada no Espetacular Homem-Aranha, com Lee escrevendo os roteiros e o veterano artista dos gibis do Teioso John Romita Sr. desenhando os quadros. A tira do Homem-Aranha foi um sucesso, e logo a Marvel começou a vasculhar os arquivos por outros personagens que pudessem ser inseridos neste universo das páginas grandes de jornal. Logo depois do Aranha, Howard o Pato, saiu em junho de 1977, seguida por Conan o Bárbaro, que começou a sair em em setembro do ano seguinte.
Então, na segunda, 30 de outubro de 1978, O Incrível Hulk apareceu nos jornais. Assim como Homem-Aranha, Howard o Pato e Conan, a tira foi distribuída pelo sindicato Register and Tribune, mas, enquanto as outras tiras da Marvel possuíam personagens recorrentes dos gibis, a tira do Hulk não tinha, porque quando ela começou a ser lançada, existia um outro lugar em que o Gigante Esmeralda era mais reconhecido que os gibis: a televisão.

Com 5 temporadas e 82 episódios, a série do Hulk trazia
Bill Bixby como o protagonista David Banner.

Com o gigantesco sucesso da série de TV O Incrível Hulk, Stan Lee decidiu usar sua fórmula de roteiro do Hulk como fugitivo como base para a tira de jornal do personagem. Adultos eram a maioria dos leitores de jornais, e eles provavelmente assistiam mais a série de TV do que liam os gibis. Entretanto, as histórias do Hulk nos jornais eram únicas: elas não espelhavam a série de TV, mesmo utilizando a mesma premissa. Além disso, não foram utilizados os atores da série como personagens da tira. Porém, assim como a série, o Hulk não falava e não era tão forte ou resiliente como era nos gibis.
A tira de jornal do Incrível Hulk foi inicialmente escrita por Lee e desenhada por seu irmão, Larry Lieber. Lieber já estava escrevendo e desenhando gibis para a Marvel desde 1950. Mas Lee em breve descobriria que tinha muita comida no seu prato e Lieber acabou pegando um pouco da fatia para si assumindo os roteiros também — inicialmente como escritor-fantasma mas logo depois tendo seu nome na assinatura principal.

Primeira tira do Incrível Hulk, de 30 de outubro de 1978.
Roteiro de Stan Lee e arte de Larry Lieber.

BONS TEMPOS

Lieber gostava de trabalhar na tira do Hulk: “Tudo começou com Stan escrevendo e eu desenhando. Mas, depois de um tempo, ele desistiu da escrita e a entregou para mim. Ele meio que a deixou nas minhas mãos mesmo. Então passei a escrever e desenhar, e eu adorava fazer isso. Era algo total e somente meu quando eu escrevia. É uma história com quadrinhos, mas a parte principal era justamente a história. Eu creio que, se você tem lindos quadros desenhados, mas tem uma história fraca, você não tem uma boa tira. Se você tiver uma ótima história, mas quadros fracos, ainda assim você pode ter uma ótima tira. Sempre senti que a história era a parte mais importante da coisa. A maioria dos leitores não são críticos de arte.”
“O artista que mais bem desenhava do que todos que eu já conheci era John Buscema”, Lieber continua. “Mas eu não sei se seu trabalho teria sido vendido somente pelos seus desenhos. Dick Tracy não possuía uma arte bonita, mas era uma tira muito popular. Quando eu escrevi a tira do Hulk, tentei fazer que ela fosse tão boa quando os filmes que eu tinha assistido e curtido naquela época, pois eu pensava que estava escrevendo algo parecido e importante.”
Lieber era um fã da série de TV do Hulk, e isso refletia em seu trabalho na tira de jornal. Lieber relembra: “Eu era influenciado pela série porque parecia que ela trazia pessoas de verdade em situações de verdade. Tentei repetir o mesmo na tira. Criei personagens próprios. Eu ainda me recordo de algumas dessas histórias. Fiz uma sobre um boxeador e sua filha. Ela era modelo e ele, lutador, e ela odiava ele porque ele abandonou a mãe dela e tudo o mais. Teve outra história com o Hulk e três mulheres, uma era uma lutadora de lama, outra era expert em caratê e a terceira era uma garota do textas que tinha um pai rico do qual ela estava fugindo. Eu realmente adorava escrever e desenhar essas mulheres, e o modo que elas se relacionavam com David Banner e o Hulk. Escrevi até uma história sobre um xerife e um lobisomem, no meio de um pântano ao sul. Eu realmente me divertia fazendo aquilo.”
Não foi o Hulk, porém, mas sim seu alter ego que realmente encantava Lieber, como ele explica: “Eu preferia escrever sobre os humanos — e adorava desenhar pessoas. Eu tentei seguir o realismo, porque era o que eu mais gostava. Talvez foi por isso que eu gostei de fazer o Rawhide Kid[1] no passado. Escrevi e desenhei o personagem por sete anos. Para mim, ele não era um super-herói. Eu o tratava como uma pessoa de verdade. E fiz o mesmo com a tira do Hulk, fazendo o David Banner se relacionar com outras pessoas. De certa forma, o Hulk era o menos importante pra mim — era com o David que eu mais me importava.”

O Incrível Hulk de 1 de novembro de 1978.
Roteiro de Stan Lee e arte de Larry Lieber.

Lieber demonstrou ter muita criatividade na tira, incluindo o uso de quadros verticais, um em cima do outro [e não lado a lado, como é comum em tiras de jornal], uma técnica que ele também usou quando começou a desenhar as tiras do Aranha anos depois. “Eu não faço isso hoje em dia,” Lieber explica. “Mas, na época, eu fazia demais sempre que a história permitia. Sabe, se o protagonista derrotou cinco pessoas, você pode colocar um quadro grande pra mostrar elas ali caídas. Eu achava que funcionava. Mas só fazia quando achava que tinha sentido e parecia bom.”

MUDANÇAS ARTÍSTICAS

Na primavera de 1979, Lieber começou a procurar ajuda para a tira e falou com o artista Rich Buckler. Buckler explica: “Eu estava trabalhando quase que exclusivamente para a Marvel na época e eu acabei conhecendo Larry Lieber. Larry estava escrevendo a tira no lugar do Stan e também a desenhava. Ele me perguntou certo dia se eu tinha interesse em desenhá-la, porque ele estava se sentindo sobrecarregado. Larry sabia que eu tinha alguma experiência com tiras de jornal (desenhei Agente Secreto Corrigan para o Al Williamson, O Fantasma para o Sy Barry, e Flash Gordon para o Dan Barry). Desenhei a tira no lugar do Larry por um mês. Fiz algumas páginas diárias e dominicais sem receber os créditos. Foi algo bem informal no começo. Enquanto as coisas progrediam, Larry me colocou em foco, e os créditos da tira mudaram para ‘O Incrível Hulk por Stan Lee e Rich Buckler’. Trabalhar com o Larry era, como sempre, extremamente prazeroso. Eu fazia meus próprios leiautes e Larry me dava total liberdade artística. Não dava pra fazer aquele tipo de ação desenfreada que é característica do Hulk porque não havia espaço pra isso. Ainda assim, eu fiz o que era possível pra tornar a tira o mais empolgante possível.”

O Incrível Hulk de 27 de setembro de 1979.
O roteiro já era de Larry Lieber, mesmo sendo
creditado ao Stan Lee. Arte de Rich Buckler.

Aquela liberdade criativa se estendia para o sindicato Register e Tribune também. Buckler relembra: “Raramente ouvíamos algo deles. Eu lembro que teve uma pequena correção que precisei fazer num desenho do Banner. Ela foi solicitada por Sol Brodsky, que, na época, estava no comando da parte de produção artística (preparando as artes que eram enviadas para o sindicato). Tirando isso, não tinha literalmente nenhum ajuste a ser feito.”
Desde o começo, tiveram uma variedade de arte-finalistas na tira do Hulk. Como Buckler nota: “A arte final era feita na própria Marvel, então sempre tinha um olhar Marvel. A maior parte da arte final da tira era feita pelo Frank Giacoia e o Joe Sinnott, com ocasionais assistências do Mike Esposito. Eu fiz a arte final em algumas tiras no começo, mas era difícil manter o prazo, já que eu também desenhava gibis pra Marvel, então eu me concentrei em fazer apenas o lápis. Desenhei a tira por aproximadamente seis meses.”

O Incrível Hulk de 27 de maio de 1980. Roteiro de
Larry Lieber, arte de Alan Kupperberg e arte final
de Frank Giacoia.

O substituto de Buckler não era uma pessoa estranha com as tiras de jornal: Alan Kupperberg. Kupperberg explica como começou: “Rich Buckler trabalhou na tira antes de mim. Acho que ele estava muito atarefado ou não conseguia mais disponibilidade pra fazê-la. Eu estava desenhando as tiras do Howard e do Conan, então, quando eles precisaram de ajuda na tira do Hulk, eles naturalmente pensaram em mim. É claro, eu já conhecia o Larry, pois trabalhamos juntos na época da Atlas Comics para o Martin Goodman.”
Como Buckler, Kupperberg também desenhou de forma anônima algumas tiras, mas, ao fim de novembro de 1979, seu nome já aparecia nos créditos. Lieber ainda fazia o lápis de algumas tiras, assim como o artista Charles Nicholas, mas Kupperberg fez a maior parte do trabalho artístico das histórias futuras, inclusive assumindo também o roteiro. “Eu também passei a escrevê-la, próximo ao fim,” Kupperberg lembra. “Achei que algumas sequências pareciam melhores que outras. Eu realmente gostei do visual da tira no episódio do Homem-Montanha.” Kupperberg planejou introduzir uma rara aparição de supervilões na tira, mas não conseguiu fazer isso.

O Incrível Hulk de 20 de maio de 1982. Mesmo tendo o
roteiro e a arte de Alan Kupperberg, os créditos acima
da tira eram dados à Marvel Comics.

“A tira acabou no meio de uma história. Sol chegou no escritório num dia, ao fim da tarde, e falou, ‘A tira acabou’. Mas ainda tínhamos de dar um fim e precisamos de mais 6 dias pra isso. Fui pra casa e fiz as seis tiras restantes. Voltei umas 19 horas depois com as tiras em mão pra concluir a história, que tinha o Hulk caminhando em direção ao pôr-do-Sol, ou algo do tipo. Eu estava planejando levá-lo pra Nova Iorque, para enfrentar o Mister Hyde e o Cobra. Ia fazer com que o Hulk tivesse um ajudante ou amigo temporário, baseado num amigo meu da vida real.” Várias tiras com Hyde e Cobra já estavam prontas, mas nunca foram publicadas.
Kupperberg também gostava de trabalhar com o Hulk, mas também mantinha tudo sob certa perspectiva: “Quando estava desenhando Howard, eu morava em Nova Iorque. Ela era publicada, se não me engano, no The New York Post, e eu reparei que, conforme ia andando pela cidade, encontrava meu trabalho jogado em latas de lixo. Enquanto isso, meus gibis, esses sim eram guardados e colecionados.”
A tira do Incrível Hulk durou ainda mais tempo do que ambas a do Howard e a do Conan, tendo seu fim no dia 5 de setembro de 1982, (O último episódio da série de TV do Hulk foi ao ar no dia 2 de junho de 1982.) No começo dos anos 1980, a Ace/Tempo Books republicou várias histórias das tiras do Incrível Hulk em edições de capa cartão.

A última tira do Incrível Hulk, de 5 de setembro de 1982.
Roteiro e arte de Alan Kupperberg.

A tira do Espetacular Homem-Aranha ainda está em publicação e Lieber continua nos desenhos, algo que faz há 26 anos[2]. Mas ele ainda tem memórias carinhosas de sua outra tira: “Eu gostava do Hulk e de fazer a sua tira. Tive grande orgulho quando o Stan olhou pra ela e disse que ela estava sendo muito bem escrita. Lembro que ele disse certa vez que ‘Ela é ainda mais dramática que a tira do Homem-Aranha!’”.
'Nuff said![3]

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Notas:

[1] Conhecido como Billy Blue no Brasil, o Rawhide Kid é um cowboy da Marvel, cujo nome verdadeiro era Johnny Bart. Sua primeira aparição foi em março de 1955, quando a Marvel ainda era Atlas Comics. Foi criado por Stan Lee e Bob Brown.
[2] A tira do Homem-Aranha teve seu fim em março de 2019, e Larry Lieber já não estava mais a desenhando — tendo se aposentado da tira em 2018 e passando a arte para o arte-finalista Alex Saviuk.
[3] O termo “'nuff said” foi muito utilizado por Stan Lee e não possui tradução precisa para o português, mas pode ser adaptada como "Já disse tudo".