domingo, 28 de junho de 2020

#ExplorandoTiras: Construindo um universo em tiras

Começo aqui uma série com o intuito de explorar e entender os detalhes e as propriedades que fazem as tiras em quadrinhos serem únicas. Os estudos aqui são baseados em tiras já existentes.

O Fantasma de Tony DePaul: os personagens criados para expandir o universo do Espírito-que-Anda

Tira dominical do Fantasma publicada em 26 de fevereiro de 2012.
Roteiro de Tony DePaul, arte de Terry Beatty.

O FANTASMA POSSUI mais de 400 anos de vida. Pelo menos é isso que todos os seus inimigos juram acreditar, especialmente por conta de todo o mito criado conforme os anos avançaram, desde sua primeira história, Os Piratas Singh, iniciada em 17 de fevereiro de 1936. Na verdade, o Espírito-que-Anda é um legado, passado de pai para filho há 21 gerações. E o papel do tempo foi fundamental para que essa longa história fosse construída.
As tiras em quadrinhos possuem diversas limitações. Entre elas, as de maior destaque são:

a) a falta de espaço no layout "fixo" (horizontal) e, consequentemente, um menor número de quadros para desenhar;
b) a demanda por um longo tempo de publicação, o que torna todo e qualquer desenvolvimento demorado;
c) a impossibilidade de lidar com o tempo real de forma concreta.

Com isso, como criar um universo conciso e justificável em uma tira seriada [1], com personagens que causem interesse no público?
Após a morte de Lee Falk, aquele que criou tanto O Fantasma quanto Mandrake, o Mágico (1934), em 1999, suas criações foram passadas adiante e continuadas. Em Mandrake, Harold "Fred" Fredericks (1929–2015), que era o artista da tira desde 1964, assumiu também os roteiros. Ao assumir a arte, Lee e Fredericks já aproveitaram para mudar um pouco o foco: Mandrake passaria a agir como um "agente secreto" que iria ajudar a Polícia com casos que ela não iria resolver. Mandrake possuía um universo interessante, com parceiros fixos ou momentâneos — como seu melhor amigo Lothar e sua mulher Narda, ou seu pai Theron e o Collegium Magikos — assim como inúmeros vilões e arqui-inimigos, alguns com aparições mais esporádicas, outros com uma frequência maior — como o seu meio-irmão Luciphor, o Cobra ou o Camelo de Barro. Porém, Mandrake, o Mágico era uma tira incontínua [2]: a aventura com o Cobra não tinha ligação alguma com a gangue que ele viria a prender na aventura seguinte. Ou seja, eram eventos separados — que até poderiam ter uma menção futura, mas haviam pouca conexão direta. Fredericks, ao assumir os roteiros, manteve a tira dessa forma.

Tiras de 22 a 24 de maio de 1967, parte da história O Retorno do Mal,
com roteiro de Lee Falk e arte de Fred Fredericks.

Entretanto, o Fantasma foi para um novo escritor: Tony DePaul. DePaul já havia escrito histórias para edições suíças do Fantasma (o Fantomen) e recebeu a oportunidade de vir a trabalhar em cima do Fantasma. A presença de DePaul na tira é um fator de mudança. Ele assumiu os roteiros a partir da 196ª história diária (A Muralha Fantasma), sendo que a seguinte e a 199ª seriam escritas por Claes Reimerthi — as primeiras aventuras escritas após a morte de Lee Falk serviram como "tapa-buraco" enquanto o sindicato King Features procurava um escritor fixo para manter a tira viva. A partir da 213ª história diária (O Templo dos Deuses, parte I: O Mistério do U-Boat), quando Paul Ryan assumiu a arte, DePaul começou uma parceria de reforma no estilo da tira. O elemento drama passaria a estar presente, além da fluidez entre as aventuras. Logo na quinta aventura O Retorno de Chatu (217ª história diária) criada por ambos, DePaul trouxe para as tiras diárias o personagem Chatu, o Píton, um terrorista internacional que foi criado pelo mesmo DePaul logo na primeira história dominical (158ª) que ele escreveu, Terror em Mawitaan (com arte de Graham Nolan). É curioso informar que as tiras diárias e dominicais, mesmo tratando do mesmo personagem, possuem histórias completamente distintas.

A primeira aparição de Chatu, o Píton, na tira de 6 de abril de 2003.
Roteiro de Tony DePaul e arte de Graham Nolan.

Portanto, uma "unificação" foi criada — as tiras diárias e dominicais ainda seguem separadas, mas os acontecimentos em uma também influenciavam os da outra. A partir daí, DePaul passou a inserir mais recorrências na tira, sempre utilizando o pretexto da legenda informativa quando se fazia necessário conferir algum dado anteriormente acontecido.
A divisão do tempo, tal como o uso equilibrado deste, também foi aprimorada com a chegada de DePaul. Entre agosto de 2009 e maio de 2011, foi publicada a saga A Morte de Diana Palmer Walker. Ela trazia novamente Chatu — depois de ser preso pelo Fantasma na aventura O Retorno de Chatu, agora o Píton busca vingança em cima de Diana Palmer, a mulher do Fantasma — numa saga envolvendo todos os personagens do universo do Fantasma, além do próprio herói.

A segunda semana de A Morte de Diana Palmer Walker,
roteiro de Tony DePaul e arte de Paul Ryan.

Simultaneamente, na 174ª história dominical O Nômade, publicada entre março e setembro de 2011, o Fantasma não aparece inicialmente: ele está justamente enfrentando Chatu. Enquanto isso, Eric Sahara, o Nômade, aproveita-se de toda a confusão criada pelo próprio Chatu para tentar dominar seu cartel. Uma conexão entre as duas histórias é criada, fazendo-nos acreditar, enquanto leitores, que tudo está ocorrendo ao mesmo tempo — mesmo com a demora semanal entre as tiras dominicais.

Tira dominical de 10 de abril de 2011, roteiro de Tony DePaul,
arte de Paul Ryan e cores de Tom Smith.

É também importante notar que, mesmo com múltiplas ocorrências acontecendo simultaneamente no universo, cada aventura mantém seu foco. Nos anos mais recentes, o mesmo Nômade se tornou o principal vilão da tira, já que Chatu encontra-se preso novamente após a saga anteriormente mencionada. Uma nova saga surge, com seu início na 245ª história, Adeus às Florestas Negras: o Nômade se aproxima cada vez mais de descobrir quem é o homem por trás da máscara do Fantasma. A história é um avanço no desenvolvimento dos filhos do Fantasma: Kit e Heloise partem em suas jornadas de crescimento — ela, para Manhattan, para estudar na Escola Briarson; ele, para o Himalaia, continuando a herança de estudos passada de pai para filho pelos Fantasmas. A aparição do Nômade nessa história se dá quando Heloise conhece a filha dele, Kadia, sua nova colega de quarto.
A conclusão da saga se deu após diversos eventos que relacionaram ações causadas pelo Nômade logo em sua primeira aparição (anteriormente mencionada), por Chatu, por Heloise e Diana. O Fantasma não contou à esposa que Heloise tinha como parceira a filha de um terrorista, enquanto que o Nômade descobriu atráves de Kadia que Heloise tinha ligação com o Presidente do país, que, por sua vez, tem ligação com o Fantasma. Eric decide atacar Heloise, a sequestrando, mas não contava com a habilidade da menina — herdada do pai — e seu plano acaba falhando. Então, em Negócios Inacabados (253ª história diária), o próprio Fantasma vai pessoalmente à prisão onde o Nômade se encontra, e o deixa com sua marca do anel da caveira.

Os principais acontecimentos da saga com o Nômade nas tiras
diárias do Fantasma. Roteiro de Tony DePaul e arte de Mike Manley.

Ou seja, há toda uma conexão entre os personagens, pensada em detalhes, cuja vantagem se encontra justamente no processo lento de desenvolvimento. É importante ter a história já desenvolvida antes de partir para o final. Um bom método para tal desenvolvimento é o destrinchamento: começamos com a ideia (por exemplo, "A vingança de Chatu contra o Fantasma"), pensamos nos detalhes iniciais que querem ser transmitidos ("Chatu irá atacar alguém próximo para despertar um desenvolvimento de personagem"), e então começamos a aumentar as possibilidades.
Tracemos os principais acontecimentos do Fantasma, com os anos respectivos em que os mesmos ocorreram:

Primeira aventura, origem e romance com Diana: Os Piratas Singh (The Singh Brotherhood), 1936;
Aparições dos seus dois animais auxiliares:
a) O lobo Capeto (Devil): Os Piratas Singh, 1936;
b) O cavalo Herói (Hero): A Filha do Maharajah (The Maharajah's Daugher), 1944;
Pedido de casamento a Diana Palmer: O Pedido (The Proposal), 1977;
Casamento com Diana Palmer: O Casamento do Fantasma (Phantom Wedding), 1977;
Nascimento dos filhos Kit e Heloise: Os Herdeiros (The Heirs), 1978.

A origem da lenda do Fantasma contada em uma semana de tiras.
Roteiro de Tony DePaul e arte de Paul Ryan.

É notável que anos e anos de investimento ocorreram para que a tira tivesse mais e mais elementos concisos. Hoje, com o básico do universo já definido, os detalhes principais podem ser abertos em maiores ramificações, proporcionando novas explorações e descobertas.

Conclusão

Uma tira precisa de tempo (às vezes, muito) para "chegar a algum lugar". Paciência e determinação são fundamentais, mas, acima de tudo, é preciso ter em mente o que se quer explorar. Uma dica útil dada por autores, inclusive de tiras seriadas, é ter uma ficha geral do universo que está sendo construído, com descrições dos personagens e dos lugares que o compõem, que cresce conforme o próprio universo se expande.

No próximo #ExplorandoTiras:
Os diálogos em Rex Morgan M.D., por Terry Beatty

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Notas:

[1] As tiras em quadrinhos possuem diversos gêneros: humor, aventura, drama, policial, etc. Enquanto as tiras de humor geralmente são tiras de gag-a-day (uma-piada-por-dia), os outros gêneros trabalham mais com a serialização dos eventos.

[2] Pretendo dividir as tiras em duas categorias nestes estudos: contínuas e incontínuas. Por "contínua", me refiro a uma tira que é construída como uma novela "infinita", onde, entre os temas principais, outras histórias com temáticas menores são inseridas, dando um senso de fluidez — o melhor exemplo de uma tira contínua é Príncipe Valente (Prince Valiant, por Harold Foster), que desde sua primeira aparição em 1937 segue contando a mesma história. Por "incontínua", me refiro a uma tira que é construída tal como um seriado policial, em que cada episódio/aventura tem um foco único e objetivo, com começo, meio e fim ditados — um ótimo exemplo de tira incontínua é Rip Kirby (Nick Holmes, no Brasil, por Alex Raymond), cujas aventuras eram eventos isolados e sem ligação uns com os outros.

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Referências:

• EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial. Editora WMF Martins Fontes, 4ª edição, 2010.

• McCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. Editora MBOOKS, 1ª edição, 2004.

• The Phantom Wiki. Disponível em http://www.phantomwiki.org/Main_Page.

• Tiras do Fantasma. Disponíveis em https://www.comicskingdom.com/phantom.

Lucas Cristovam, 28 de junho de 2020,
Parnamirim, Rio Grande do Norte, Brasil.

domingo, 21 de junho de 2020

"Darkness", por Eminem: o problema das armas

ATENÇÃO: esta postagem contém uma música com tema delicado sobre violência com arma de fogo. Se você já foi afetado pelo assunto, a postagem pode ser um gatilho emocional.

Capa do álbum Music to Be Murdered By, de Eminem.

EMINEM SEMPRE FOI um dos rappers que eu mais curti, desde pequeno. No começo, suas músicas eram mais zoadas — de acordo com o próprio Eminem, é culpa de uma das suas personalidades, o Slim Shady. No entanto, em especial nos seus últimos álbuns, Eminem vem tratando de assuntos cada vez mais sérios, e esse é o tema dessa postagem.
Em janeiro deste ano, 2020, o rapper lançou seu mais novo álbum, Music to Be Murdered By, de forma surpresa, sem nenhum anúncio. A oitava faixa do álbum, "Darkness", é também o destaque principal — tendo ganhado um vídeo, lançado simultaneamente ao disco.
O Genius faz um resumo sobre a faixa:

"Tornou-se comum para rappers compararem de forma metafórica as palavras que eles falam à velocidade de armas atirando, e suas performances à assassinatos. Aqui, Eminem leva essa convenção ao extremo ao mesmo tempo que a inverte. Enquanto o começo da canção pode levar os ouvintes a crerem que eles estão simplesmente a ouvir sobre como um artista se sente antes de apresentar, como feito em Lose Yourself[1], eventualmente é revelado que o narrador da música é Stephen Paddock, o assassino responsável pelo maior massacre com arma de fogo na história dos Estados Unidos, o tiroteio de 2017 em Las Vegas. Como resultado final, uma perturbadora alegoria é revelada comparando grandiosos assassinatos a uma performance de um artista.
A música termina com uma compilação sobreposta de notícias de diversos tiroteios que ocorreram nos anos recentes nos Estados Unidos, sugerindo que Eminem tenta trazer a atenção de todos aos problemas com armas que a América está lidando. No website de divulgação da música, uma frase diz, 'QUANDO ISSO VAI ACABAR? QUANDO AS PESSOAS SE PREOCUPAREM O SUFICIENTE.'"

Deixo aqui o vídeo da música e, como de costume, sua tradução:




Eminem, "Escuridão"

Eu não quero ficar sozinho, eu não quero
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero mais ficar sozinho na escuridão
(Olá, escuridão, minha velha amiga)

Aqui estou eu, sozinho de novo
Não consigo sair desse buraco
Parece que as paredes estão se fechando
Você não pode me ajudar, ninguém pode
Eu sinto essas cortinas se fechando
Preciso abri-las
Mas alguo vem e as fecha de novo
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
Parece que estou detestando em Las Vegas
Não faço a menor ideia do porquê estou perdido
Mas eu vou te fazer essa pequena aposta
Se eu te disser que vou estar nos jornais amanhã
A quem as probabilidades favoreceriam?
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
Eu pareço muito com meu pai
Você acharia que eu o conheci
Fico rodando por esse quarto
Tomo um Diazepam e busco uma bebida
Talvez um gole seja o suficiente
Talvez eu acabe dormindo
E acorde só pra acabar com o palco
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
Que se foda a Colt .45
Preciso de algo mais forte
Se eu for estourar algo
Melhor que seja com vodca
Rodada após rodada após rodada
Eu tô cada vez mais cheio (Haha)
Foram muitos tiros, huh? (Duplo sentido)[2]
(Olá, escuridão, minha velha amiga)

Eu não quero ficar sozinho, eu não quero
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero mais ficar sozinho na escuridão
(Olá, escuridão, minha velha amiga)

Agora estou a olhar o menú do quarto
Consigo ouvir a música cada vez mais alta
Consigo ver toda aquela maldita plateia pela janela
É aí que você sabe que está pirado
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
Pois eu continuo olhando pela cortina do hotel
A música está muito alta
Mas é como se eu não ouvisse nada
É melhor eu me preparar pro show agora
Espera, é só isso de plateia?
Achei que tava muito mais lotado
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
Mas é apenas a abertura do show
Nada de desesperar
Algo me disse pra relaxar
E só esperar o show começar
Não quero chegar ao palco antes de acabar com cada fileira
Porque isso seria muita besteira
Sem nenhuma pessoa, não dá pra fazer do show uma coisa maneira
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
Mas e se ninguém aparecer?
Acabo entrando em pânico
É capaz de me enfurecer a qualquer segundo
Cancelar todo o show enquanto os fãs saem correndo
O plano acabaria dando errado
Tem câmera pra todo lado
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
Jornais ficariam loucos, besteira em todos os sites
Tô com bala sobrando pra todos esses presentes
Tô armado até os dentes
Mais um Diazepam, caio da cama
No chão, vou me arrastando até o armário
Sentindo o álcool no meu corpo
Enquanto pego minha arma
Tô apagando, acabaram os remédios
Sem nenhum Diazepam
Agora só tem revistas no chão
Que se foda a mídia
Eu vou conseguir, isso é guerra
(Olá, escuridão, minha velha amiga)

Eu não quero ficar sozinho, eu não quero
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero mais ficar sozinho na escuridão
(Olá, escuridão, minha velha amiga)

As pessoas começam a aparecer
É hora de começar o show
São 22h05, e as cortinas vão abrir
Eu já tô suando mas tô preparado
Pra mandar ver com tudo nesses otários
Uma franco-atiradora com visão noturna
Pra surpreender a todos
Enquanto eu mando mais bala de dentro do hotel
Me apoio na janela, sentindo-me um Keyser Söze[3]
Dedo no gatilho, mas eu sou licenciado
Sem nenhum passado condenador
Então o céu é o limite, de acordo com as Leis
Mas meu pente é infinito, pareço um soldado
Faço eles pularem por paredes e cercas
Alguns deles parecem o John Travolta
Ficam vivos por pouco[4]
(Olá, escuridão, minha velha amiga)
A polícia bate na porta
Porra, achei que a tinha trancado
Acho que o show acabou
Nenhum bilhete de suicídio
Apenas algumas anotações de distância pro palco
Mas se você quer saber o motivo
Pelo qual eu fiz isso
Você nunca vai achar um
Porque a verdade é que eu não tenho ideia
Eu só tô cansado, mas não sou doente mental
Só tô tentando mostrar
A razão pelo qual o cansaço chegou pra geral
Porque quando isso acabar
Ninguém mais vai se importar
(Olá, escuridão, minha velha amiga)

Eu não quero ficar sozinho, eu não quero
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero ficar sozinho na escuridão
Eu não quero mais ficar sozinho na escuridão
(Olá, escuridão, minha velha amiga)

"Nós temos notícias urgentes chegando agora...
Só preciso de um tempo pra ouvir—
Parece que o atirador está morto...
Acabamos de ouvir que a polícia disse...
Que o atirador de Las Vegas se suicidou..."
("Temos uma atendente do Mandalay Bay...
Creio que ela vai nos dizer mais sobre o ocorrido...")
"Sim, queremos compartilhar a notícia...
Você pode ver aqui atrás quem ele é...
Acabamos de ouvir nesse momento que a polícia...
A polícia confirmou que ele se matou dentro do quarto..."

"Bom dia, nós trazemos a você logo de começo...
Uma notícia urgente de um tiroteio numa escola..."
("Notícias urgentes...")
"Mais um tiroteio em escola..."
("Onze pessoas morreram...")
"O número de mortos ainda não foi confirmado...
E dessa vez é em Santa Fé, no Texas...
Bem perto de Galveston..."
("Ninguém viu ele chegar...")
"Mais um tiroteio em escola, dessa vez ao sul da Califórnia..."
("Um suspeito foi...")
"Estamos seguindo essas notícias urgentes que chegaram...
Mais um tiroteio fatal em escola...
Esse é em Santa Fé, no Texas...
Próximo a Houston...
Vinte e seis pessoas mortas e outras vinte feridas..."
("Nosso correspondente em Houston nos traz...")
"Pelo menos nove pessoas mortas..."
("É o maior tiroteio da história do Texas...")
"Cinco pessoas mortas...
O atirador abriu fogo de fora de uma igreja durante a missa matinal...
Acabou causando pânico e entrou..."
("Cinco pessoas mortas num escritório...")
"Houve um tiroteio num festival de comida...
Ao norte da Califórnia...
Três pessoas mortas até agora...
Notícias urgentes..."
("Quinze pessoas feridas...")
"Um tiroteio fatal num escritório jornalístico em Anápolis..."
("Um atirador abriu fogo...")
"Imagens mostram o momento que leva...
Ao tiroteio, em Dayton, Ohio...
As autoridades dizem que o atirador se..."

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Notas:

[1] Provavelmente a música mais famosa de Eminem, Lose Yourself foi lançada em 2002 como parte do álbum de músicas do filme de Eminem, 8 Mile (no Brasil, 8 Mile — Rua das Ilusões). Foi o primeiro hip hop a receber o prêmio Oscar de Melhor Música Original, além de também ter ganho o prêmio Grammy para Melhor Música de Rap e Melhor Performance Solo de Rap.

[2] Em Inglês, "shots" significa tanto "tiro" quanto "dose de uma bebida". Aqui, o duplo sentido que Eminem diz na canção se dá a esse trocadilho.

[3] Keyser Söze é o principal vilão do filme vencedor do Oscar de 1996 Os Suspeitos (de 1995). A idade secreta desse vilão é o foco do filme, que é famoso pelas reviravoltas em torno dela.

[4] Referência ao papel de Travolta como Vincent Vega, no filme Pulp Fiction (de 1994). Em uma das cenas, Vincent leva múltiplos tiros, mas as balas o erram por centímetros.

domingo, 14 de junho de 2020

Minha história com as tiras em quadrinhos

JÁ NÃO É segredo que eu amo quadrinhos. Praticamente em todos os cantos que vou, tenho um em mãos, e sempre estou a ler durante intervalos livres. Dentre os diferentes gêneros de quadrinhos, para mim, um se destacou: as tiras em quadrinhos.
Leio quadrinhos desde meus 6 anos – comecei como a maioria dos brasileiros, com a Turma da Mônica, criação de Mauricio de Sousa. Nos gibis, sempre havia uma tira na última página, junto ao expediente da edição. Mas ela não me chamava tanta atenção.
Mais à frente, quando cheguei ao Ensino Fundamental, recebi meu primeiro livro de Português e, folheando, encontrei outros inúmeros quadrinhos que desconhecia. A Turma da Mônica estava no meio, mas também figuravam Hägar, o Horrível (Hägar, the Horrible, de Dik e Chris Browne), Calvin e Haroldo (Calvin and Hobbes, de Bill Watterson), Recruta Zero (Beetle Bailey, de Mort Walker), Zezé & Cia. (Hi & Lois, de ambos Dik Browne e Mort Walker), O Mago de Id (The Wizard of Id, de Johnny Hart e Brant Parker), Garfield (de Jim Davis), Crock e os Legionários (Crock, de Bill Rechin e Brant Parker) e Minduim (Peanuts, de Charles Schulz), para nomear apenas algumas. Peanuts viria a se tornar a minha tira de humor favorita.

Minduim.

Hägar, o Horrível.

O Mago de Id.

Eu recortava essas tiras e então as colava em um caderno que possuía – colecionei inúmeras tiras por anos e anos. Lembro de ter uma biblioteca na minha escola e a moça que cuidava dela possuía alguns jornais antigos com páginas de tiras. Foi minha fonte secundária da coleção. A primária eram os livros usados de Português que eu ia encontrando pelo caminho.
Comecei a copiar alguns desenhos. O Mago de Id, na época, era a tira que eu mais admirava, pelas piadas – inclusive, fiz algumas tiras próprias usando as personagens. Com relação ao traço, Hägar, o Horrível e Zezé & Cia. eram minhas favoritas – certo dia, decidi copiar os personagens de Zezé & Cia., e foi assim que nasceu o meu primeiro personagem, Hércules, que eu desenhei em uma tira de humor, com homenagens às pessoas ao meu redor.
Algum tempo depois, minha segunda criação surgia: Os Três Reis Magos, tira também de humor que teve inclusive um livro lançado na mesma escola, com apoio da mesma moça da biblioteca. Bem capaz que ele ainda esteja por lá...

Zezé & Cia.

A “mudança” veio com data até hoje lembrada: 14 de agosto de 2012. Eu descobri um site na internet que possibilitava a leitura de todas essas tiras que eu tanto amava. Entre os títulos, um em específico me chamou a atenção: Mandrake, o Mágico (Mandrake, the Magician, de Lee Falk e outros). “Uma tira de humor com um mágico!”, essa foi a minha exata reação. Ao abrir a tira, porém, logo mudei o comportamento.

A primeira tira de Mandrake, o Mágico que li,
publicada no dia 14 de agosto de 2012.

“Qual é a piada? Não entendi a graça.” Afinal, a tira mostrava um homem usando uma camisa de “oncinha” segurando um laço enquanto pensava “Tenho apenas uma chance... Queria que esse laço fosse maior...” e, no quadro seguinte, uma legenda narrava que “o parceiro do ladrão entrava...” Entrava aonde? O que está acontecendo aqui?
Decidi usar o bom e velho Google e pesquisar Mandrake, o Mágico. “Minha nossa, existem tiras seriadas, histórias longas divididas em ‘capítulos’ que devem ser acompanhados diariamente, como uma novela.” Isso, para mim, foi algo de uma imensidão imensurável. Passei o resto do dia procurando mais sobre essas tais tiras seriadas que eu acabara de descobrir sobre.
E aconteceu que existiam milhares e milhares de tiras seriadas. Até Popeye (de E.C. Segar), que eu adorava assistir a animação quando criança, era uma. E ainda existiam categorias: O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man, de Stan Lee e outros), O Fantasma (The Phantom, de Lee Falk e outros), Princípe Valente (Prince Valiant, de Hal Foster) e Brick Bradford (de William Ritt e Clarence Gray) se encaixam nas tiras de aventura; Juíz Parker (Judge Parker) Rex Morgan M.D. e Apartamento 3-G (Apartment 3-G, todas de Nicholas Dallis e outros) são as tiras de drama; Rip Kirby (de Alex Raymond), Dick Tracy (de Chester Gould), Agente Secreto X-9 (Secret Agent X-9, de Dashiel Hammet e outros) e Rádio Patrulha (Radio Patrol, de Eddie Sullivan e Charlie Schmidt) entram na categoria de tiras policiais; entre inúmeros outros subgêneros.

Brick Bradford.

O Espetacular Homem-Aranha.

Dick Tracy.

Rádio Patrulha.

Rip Kirby.

Passei a colecioná-las digitalmente, realizando o download todos os dias de alguns títulos que eu gosto muito. Mandrake, o Mágico e O Espetacular Homem-Aranha foram as duas primeiras que eu baixei – infelizmente ambas chegaram ao fim: Mandrake com a aposentadoria do autor Fred Fredericks; Homem-Aranha com o cancelamento da tira pela Marvel. Rip Kirby, Brick Bradford e Rádio Patrulha se tornaram minhas favoritas – possuo praticamente todos os episódios das três tiras.
Também passei a estudá-las. Fiquei surpreso ao compreender a diferença gigante que as tiras possuem em relação aos gibis: construção lenta de universo, avanços curtos numa história, diferentes maneiras de expressar uma ideia sem parecer algo repetitivo, e, principalmente, a ideia da paciência no aguardar a continuação, da persistência em manter a curiosidade viva e a ansiedade sob controle para ler o que vem depois.
E decidi criar a minha própria tira seriada. Nick Felix, Detetive, mantenho um blog onde posto as tiras periodicamente lá. Aplico muito desse conhecimento que obtive com os estudos na minha própria tira, então ela é basicamente um experimento – que me mostrou que qualquer um é capaz de escrever e desenhar sua própria tira, basta querer e estudar.
As tiras se tornaram um baita refúgio em minha vida desde meus primórdios. E hoje eu sou grato por ter descoberto tanta coisa a respeito!

Lucas Cristovam, 14 de junho de 2020,
Parnamirim, Rio Grande do Norte, Brasil.