Começo. A tira de 17 de julho de 2000. A tira de 16 de julho, domingo, trazia no último quadro o que aconteceria a seguir: “Um novo começo”. |
No fim das contas, embora eu nunca tenha recebido um aumento em 18 anos e meio, basicamente escrevi a tira como um escritor anônimo (embora, até os últimos anos, com a edição frequentemente cuidadosa de Stan), e foi um ótimo trabalho. Eu passava talvez dois dias por mês escrevendo quatro semanas de tiras e, outras duas ou três vezes por ano, dedicava um dia para criar os roteiros das próximas histórias.
Depois que Stan reduziu suas atividades alguns anos atrás, após a instalação de seu marcapasso, entre outras coisas, passei a trabalhar principalmente com seu assistente de longa data, Michael Kelly, com alguma contribuição verbal indireta de Stan. De certa forma, gostei ainda mais desse arranjo, já que Stan e eu estávamos apenas cerca de 80% alinhados sobre o que fazia uma boa tira de quadrinhos. Apesar de suas bem conhecidas (e corretas) opiniões sobre a importância da escrita para o sucesso da Marvel Comics a partir de 1961, ele frequentemente dizia que era a arte que vendia a tira. Eu não achava que isso refletia a realidade, especialmente depois que John Romita deixou a tira alguns anos após seu início e à medida que as impressões ficavam cada vez menores. O irmão de Stan, Larry Lieber, era um desenhista competente (e Alex Saviuk, consideravelmente melhor), mas os artistas não tinham realmente espaço, especialmente nas tiras diárias, para criar um trabalho que empolgasse os leitores do jeito que, por exemplo, Milt Caniff fazia em Terry and the Pirates [Terry e os Piratas]. A presença do Homem-Aranha ou do Dr. Octopus em uma tira podia atrair os leitores inicialmente, mas era a escrita que os fazia voltar dia após dia, já que o Aranha, Peter, MJ e Doutor Octopus sempre teriam a mesma aparência, espremidos em pequenos painéis—sem “páginas duplas” como nos quadrinhos. E sim, eu escrevia um pouco mais de texto e diálogo do que Stan… mas isso era em parte porque, caso contrário, eu não tinha certeza se as pessoas conseguiriam realmente acompanhar a tira dia após dia… ou pelo menos, nenhum novo leitor se interessaria se fosse difícil começar a ler a qualquer momento.
No geral, Stan e eu nos dávamos bem. Na maior parte do tempo, ele gostava do que eu entregava, aceitava a maioria (embora não todas) das minhas ideias para histórias… e, até alguns anos atrás, frequentemente “sugeria” (ou insistia em) alterações nelas. Durante alguns anos, ele reescrevia um painel ou um balão aqui e ali, às vezes até mais… enquanto outras tiras diárias ou de domingo passavam sem uma única palavra alterada.
A grande mudança que tentei implementar, depois do primeiro filme do Homem-Aranha, foi voltar a um período em que MJ e Peter não eram casados. Stan concordou e, a princípio, pareceu meio entusiasmado com a mudança. Fizemos até um arco inteiro (envolvendo o Electro) com essa abordagem. Mas então Stan mudou de ideia, e percebi imediatamente que não conseguiria reverter a decisão. Então, escrevi uma cena ao estilo de Dallas[2], em que Peter acordava (depois de dormir no apartamento da Tia May como um jovem solteiro) e se via casado novamente com Mary Jane… e assim mantivemos a história dali em diante. Na verdade, fiquei cada vez mais satisfeito com essa decisão, especialmente se comparado à confusão dos quadrinhos, onde MJ e Peter simplesmente esqueciam um do outro e do casamento, e acontecia sabe-se lá o quê. Com mais liberdade criativa e aproveitando a carreira de modelo da MJ nos quadrinhos, fiz com que ela evoluísse de funcionária de uma loja de informática para estrela da Broadway e atriz de cinema, interpretando uma super-heroína chamada “Marvella” (antes da Capitã Marvel feminina se tornar um grande destaque, ou talvez até antes de ela existir). Mesmo assim, mantive ela e Peter, de maneira um tanto incongruente, em seu pequeno apartamento em Manhattan (exceto quando estavam em Los Angeles, é claro)… embora, de vez em quando, eles procurassem algo maior.
Nos últimos anos, passei a usar cada vez mais participações especiais: Wolverine, Homem de Ferro, Thor, Viúva Negra, Homem-Formiga e, mais recentemente, Punho de Ferro e Luke Cage. Nunca nos preocupamos em seguir a continuidade atual da Marvel, algo que Stan não queria fazer… e imagino que isso tenha sido ainda mais reforçado à medida que os quadrinhos passaram por mudanças bruscas e reinícios frequentes, como quando MJ e Peter foram repentinamente separados. Se os quadrinhos acabaram tendo vários universos do Homem-Aranha (com diferentes Aranhas, uma Garota-Aranha e por aí vai), nossa tira de jornal era mais um desses universos… e, nos últimos anos, era praticamente o único em que Peter e MJ continuavam casados, mantendo a direção original de décadas de histórias em quadrinhos. Todos nós tínhamos um certo orgulho disso.
Quando a tira morreu (ou melhor, foi cancelada), o Mammon Theatre, onde a peça de sucesso da MJ estava em cartaz, foi fechado devido a danos (causados, é claro, por uma luta envolvendo o Homem-Aranha), e Marvella II havia sido um fracasso. Então, Peter e MJ partiram para uma viagem de férias na Austrália, e eu escrevi algumas semanas de continuidade (junto com um roteiro completo aprovado por Michael Kelly) envolvendo o vilão Canguru. Mas a Marvel decidiu cancelar a tira e não publicar essas últimas semanas. Recusei-me a reescrever as tiras finais para transformá-las em uma despedida oficial. Minha visão era que eu aceitava o cancelamento da tira e não levava para o lado pessoal… era apenas uma decisão de negócios. Quando me informaram sobre o cancelamento, não mencionaram — talvez porque nem soubessem — que a Marvel planejava reviver a tira com uma nova equipe ou lançar uma nova série que talvez nem fosse do Homem-Aranha, mas algo equivalente ao que a DC fez com The World's Greatest Heroes [Os Maiores Heróis da Terra], sucessora da antiga tira do Superman, que apresentava vários heróis da editora. Minha postura foi que eu havia escrito o que escrevi para a tira, e a Marvel podia fazer o que quisesse com o roteiro (desde que eu fosse pago pelo que fiz, é claro), mas preferia nunca mais tocar nele. Quando termino algo, termino de vez.
Alex Saviuk, que Deus o abençoe, gentilmente refez a tira final para nos incluir nela e adicionou a manchete “‘Nuff Said!” no Clarim Diário. Talvez ele tenha lidado com tudo isso de forma mais esportiva do que eu… e o admiro por isso, já que passou mais de duas décadas desenhando as tiras de domingo do Homem-Aranha e, recentemente, havia sido promovido a desenhista de sete dias por semana… apenas para ver a tira ser cancelada quase imediatamente, ficando sem um trabalho fixo. Espero que ele encontre outro. Ele merece.
Depois que Stan reduziu suas atividades alguns anos atrás, após a instalação de seu marcapasso, entre outras coisas, passei a trabalhar principalmente com seu assistente de longa data, Michael Kelly, com alguma contribuição verbal indireta de Stan. De certa forma, gostei ainda mais desse arranjo, já que Stan e eu estávamos apenas cerca de 80% alinhados sobre o que fazia uma boa tira de quadrinhos. Apesar de suas bem conhecidas (e corretas) opiniões sobre a importância da escrita para o sucesso da Marvel Comics a partir de 1961, ele frequentemente dizia que era a arte que vendia a tira. Eu não achava que isso refletia a realidade, especialmente depois que John Romita deixou a tira alguns anos após seu início e à medida que as impressões ficavam cada vez menores. O irmão de Stan, Larry Lieber, era um desenhista competente (e Alex Saviuk, consideravelmente melhor), mas os artistas não tinham realmente espaço, especialmente nas tiras diárias, para criar um trabalho que empolgasse os leitores do jeito que, por exemplo, Milt Caniff fazia em Terry and the Pirates [Terry e os Piratas]. A presença do Homem-Aranha ou do Dr. Octopus em uma tira podia atrair os leitores inicialmente, mas era a escrita que os fazia voltar dia após dia, já que o Aranha, Peter, MJ e Doutor Octopus sempre teriam a mesma aparência, espremidos em pequenos painéis—sem “páginas duplas” como nos quadrinhos. E sim, eu escrevia um pouco mais de texto e diálogo do que Stan… mas isso era em parte porque, caso contrário, eu não tinha certeza se as pessoas conseguiriam realmente acompanhar a tira dia após dia… ou pelo menos, nenhum novo leitor se interessaria se fosse difícil começar a ler a qualquer momento.
No geral, Stan e eu nos dávamos bem. Na maior parte do tempo, ele gostava do que eu entregava, aceitava a maioria (embora não todas) das minhas ideias para histórias… e, até alguns anos atrás, frequentemente “sugeria” (ou insistia em) alterações nelas. Durante alguns anos, ele reescrevia um painel ou um balão aqui e ali, às vezes até mais… enquanto outras tiras diárias ou de domingo passavam sem uma única palavra alterada.
A grande mudança que tentei implementar, depois do primeiro filme do Homem-Aranha, foi voltar a um período em que MJ e Peter não eram casados. Stan concordou e, a princípio, pareceu meio entusiasmado com a mudança. Fizemos até um arco inteiro (envolvendo o Electro) com essa abordagem. Mas então Stan mudou de ideia, e percebi imediatamente que não conseguiria reverter a decisão. Então, escrevi uma cena ao estilo de Dallas[2], em que Peter acordava (depois de dormir no apartamento da Tia May como um jovem solteiro) e se via casado novamente com Mary Jane… e assim mantivemos a história dali em diante. Na verdade, fiquei cada vez mais satisfeito com essa decisão, especialmente se comparado à confusão dos quadrinhos, onde MJ e Peter simplesmente esqueciam um do outro e do casamento, e acontecia sabe-se lá o quê. Com mais liberdade criativa e aproveitando a carreira de modelo da MJ nos quadrinhos, fiz com que ela evoluísse de funcionária de uma loja de informática para estrela da Broadway e atriz de cinema, interpretando uma super-heroína chamada “Marvella” (antes da Capitã Marvel feminina se tornar um grande destaque, ou talvez até antes de ela existir). Mesmo assim, mantive ela e Peter, de maneira um tanto incongruente, em seu pequeno apartamento em Manhattan (exceto quando estavam em Los Angeles, é claro)… embora, de vez em quando, eles procurassem algo maior.
Nos últimos anos, passei a usar cada vez mais participações especiais: Wolverine, Homem de Ferro, Thor, Viúva Negra, Homem-Formiga e, mais recentemente, Punho de Ferro e Luke Cage. Nunca nos preocupamos em seguir a continuidade atual da Marvel, algo que Stan não queria fazer… e imagino que isso tenha sido ainda mais reforçado à medida que os quadrinhos passaram por mudanças bruscas e reinícios frequentes, como quando MJ e Peter foram repentinamente separados. Se os quadrinhos acabaram tendo vários universos do Homem-Aranha (com diferentes Aranhas, uma Garota-Aranha e por aí vai), nossa tira de jornal era mais um desses universos… e, nos últimos anos, era praticamente o único em que Peter e MJ continuavam casados, mantendo a direção original de décadas de histórias em quadrinhos. Todos nós tínhamos um certo orgulho disso.
Quando a tira morreu (ou melhor, foi cancelada), o Mammon Theatre, onde a peça de sucesso da MJ estava em cartaz, foi fechado devido a danos (causados, é claro, por uma luta envolvendo o Homem-Aranha), e Marvella II havia sido um fracasso. Então, Peter e MJ partiram para uma viagem de férias na Austrália, e eu escrevi algumas semanas de continuidade (junto com um roteiro completo aprovado por Michael Kelly) envolvendo o vilão Canguru. Mas a Marvel decidiu cancelar a tira e não publicar essas últimas semanas. Recusei-me a reescrever as tiras finais para transformá-las em uma despedida oficial. Minha visão era que eu aceitava o cancelamento da tira e não levava para o lado pessoal… era apenas uma decisão de negócios. Quando me informaram sobre o cancelamento, não mencionaram — talvez porque nem soubessem — que a Marvel planejava reviver a tira com uma nova equipe ou lançar uma nova série que talvez nem fosse do Homem-Aranha, mas algo equivalente ao que a DC fez com The World's Greatest Heroes [Os Maiores Heróis da Terra], sucessora da antiga tira do Superman, que apresentava vários heróis da editora. Minha postura foi que eu havia escrito o que escrevi para a tira, e a Marvel podia fazer o que quisesse com o roteiro (desde que eu fosse pago pelo que fiz, é claro), mas preferia nunca mais tocar nele. Quando termino algo, termino de vez.
Alex Saviuk, que Deus o abençoe, gentilmente refez a tira final para nos incluir nela e adicionou a manchete “‘Nuff Said!” no Clarim Diário. Talvez ele tenha lidado com tudo isso de forma mais esportiva do que eu… e o admiro por isso, já que passou mais de duas décadas desenhando as tiras de domingo do Homem-Aranha e, recentemente, havia sido promovido a desenhista de sete dias por semana… apenas para ver a tira ser cancelada quase imediatamente, ficando sem um trabalho fixo. Espero que ele encontre outro. Ele merece.
Fim. A última tira do O Espetacular Homem-Aranha, datada de 23 de março de 2019. Roteiro de Roy Thomas e arte de Alex Saviuk. |
Naturalmente, fiquei triste ao ver a tira chegar ao fim (ainda mais porque isso marcou o encerramento da única tira de aventura de longa duração lançada no último meio século), justamente no momento em que eu finalmente poderia começar a receber crédito oficial pelo trabalho que fazia… embora, claro, eu já tivesse tido esse reconhecimento por dois anos na tira de Conan, o Bárbaro no final dos anos 1970. Mas, pelo menos, quando Stan escreveu de forma vaga, talvez há uma década, em sua introdução para o volume Marvel Visionaries: Roy Thomas, que eu o “ajudei” na tira do Homem-Aranha, qualquer um com um mínimo de percepção sabia exatamente qual era minha contribuição. Isso não incomodava Stan, e não incomodava a mim. A tira era dele, e eu estava feliz em coescrevê-la ou escrevê-la sob seu nome… embora eu não estivesse disposto a continuar escrevendo anonimamente após sua morte, caso essa alternativa tivesse sido sugerida.
Trabalhar com Stan e Michael Kelly (assim como com Larry, Alex e o sempre amável Joe Sinnott – com Joe sendo ocasionalmente substituído por Jim Amash ou Terry Austin) na tira do Homem-Aranha foi uma experiência muito prazerosa, e sou grato a Stan por me oferecer aquela “mixaria” lá em 2000. A tira acabou se tornando a última de nossas muitas colaborações ao longo dos anos, que começaram quando, no início de julho de 1965, herdei uma história de Modeling with Millie [Millie, a Modelo] que ele havia discutido anteriormente (suponho) com o desenhista Stan Goldberg.
Trabalhar com Stan e Michael Kelly (assim como com Larry, Alex e o sempre amável Joe Sinnott – com Joe sendo ocasionalmente substituído por Jim Amash ou Terry Austin) na tira do Homem-Aranha foi uma experiência muito prazerosa, e sou grato a Stan por me oferecer aquela “mixaria” lá em 2000. A tira acabou se tornando a última de nossas muitas colaborações ao longo dos anos, que começaram quando, no início de julho de 1965, herdei uma história de Modeling with Millie [Millie, a Modelo] que ele havia discutido anteriormente (suponho) com o desenhista Stan Goldberg.
Com carinho,
Roy Thomas
Roy Thomas escreveu esta carta para o Bleeding Cool em 2019.
Notas:
[1] 161.874 metros quadrados.
[2] Exibida entre 1978 e 1991 nos Estados Unidos, a série de TV Dallas foi de grande sucesso, tendo um total de 357 episódios distribuídos em 14 temporadas. Roy faz referência à série pois a nona temporada se revelou, no fim, somente um sonho de uma das personagens.
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