domingo, 19 de julho de 2020

Alex Raymond: biografia resumida

UMA DAS MINHAS principais inspirações, Alex Raymond criou meu personagem favorito, o detetive particular Rip Kirby (conhecido no Brasil como Nick Holmes, cujo primeiro nome foi o mesmo que decidi usar no protagonista da minha tira, Nick Felix, como homenagem a Raymond). Deixo aqui a introdução que a edição de Nick Holmes (Rip Kirby) lançada em 1984 pela L&PM Editores traz. O texto é curto, mas rico em detalhes.


ALEXANDER GILLESPIE RAYMOND, ou apenas Alex Raymond, nasceu em New Rochelle, Nova Iorque, no dia 2 de outubro de 1909. Filho de um engenheiro civil, aos 12 anos interrompeu seus estudos de arte por causa da morte do pai, indo trabalhar (tinha seis irmãos mais jovens para cuidar). Em 1929, com a quebra da bolsa, perdeu o emprego na Wall Street. Ingressou então na Grand Central School of Art. Estreou nos quadrinhos aconselhado pelo desenhista Russ Westover, de quem torna-se assistente na série Tillie, the Toiler (Ditinha, no Brasil). A seguir, trabalha como assistente de Chic Young na tira Blondie (Belinda, no Brasil) e Liman Young em Tim Tyler's Luck (Tim e Tom, no Brasil) até 1933.
Neste mesmo ano, vence um concurso para desenhar a série Secret Agent X-9 (Agente Secreto X-9, no Brasil), escrita por Dashiell Hammet. 1934 é o ano em que Raymond "explode": além do X-9, primeira série que ele assina, lança ainda outras duas criações, totalmente suas: Flash Gordon e Jungle Jim (Jim das Selvas, no Brasil). Durante um ano e meio trabalha nas três séries concomitantemente, então abandona o X-9 e passa a dedicar-se inteiramente às suas criações. Nesse meio tempo, o sucesso — principalmente de Flash Gordon — era tanto que, já em 1935, a série ganha um programa semanal no rádio e, em 1936, a Universal Pictures produz a série mais cara da época: Flash Gordon no cinema. Enquanto isso, Raymond também ilustra revistas como a Collièrs Weekly, Blue Book, Esquire e Look, além de desenhar capas de revistas, livros, cartazes de cinema e propagandas. Um dia, porém, declara: "Estou sinceramente convencido de que a arte dos quadrinhos é uma forma de arte autônoma. Reflete sua época e a vida em geral com o maior realismo e, graças à sua natureza essencialmente criativa, é artisticamente mais válida do que uma mera ilustração. O ilustrador trabalha com máquina fotográfica e modelos. O artista dos quadrinhos, entretanto, começa com uma folha de papel em branco e inventa sozinho uma história inteira — é escritor, diretor, editor e desenhista, tudo ao mesmo tempo."
Em 1944, é convocado pela Marinha, por conta da Segunda Guerra Mundial. Deixa de desenhar ambos Flash Gordon e Jungle Jim e embarca rumo ao Pacífico Sul, como capitão, a bordo do porta-aviões USS Gilbert Islands. Ali, testemunhou as batalhas de Bornéu[1] e Okinawa[2]. Depois da Guerra, o agora major Alex Raymond retorna à vida civil cheio de ideias para uma nova HQ. Enfim, em 1946, nasce Rip Kirby (Nick Holmes, no Brasil), um ex-oficial da Marinha que se torna detetive particular. Mas é um detetive diferente: sofisticado, intelectual, um verdadeiro criminologista. Adepto da ciência, só recorre à força bruta em último caso, coisa raríssima na tradição do gênero. Em Rip Kirby, Raymond pinta o painel da euforia americana do pós-Guerra, basicamente no cenário da alta burguesia nova-iorquina, nostálgica da tradição aristocrática europeia. No entanto, por trás das idílicas charretes do Central Park, das mulheres refinadas e dos arranha-céus, transparece a sabedoria humana do escritor na construção psicológica dos personagens: mesmo o bandido mais empedernido tem o seu lado humano, mesmo o grã-fino mais invejável tem a sua fraqueza. Raymond sabe — e, às vezes, até mostra — que o crime é, muitas vezes, uma tentativa individual de superação em sistemas social e economicamente excludentes. Nas suas histórias, vários dos aristocratas acabam em cana e vários dos bandidos se regeneram, embora, caracteristicamente, a condição para a regeneração, no caso, seja aceitar, tal como é, o American Way of Life[3]. O belo desenho refinado e a grande capacidade narrativa de Raymond fizeram de Rip Kirby um grande sucesso popular.
A brilhante carreira de Raymond infelizmente termina de forma trágica na Clappboard Hill Road, perto de Westport, Connecticut, em um acidente automobilístico em 6 de setembro de 1956. Mas a imensa carga de conhecimento por trás de cada quadrinho, a constante busca por novas ideias e experimentos técnicos, o desenho preciso e vivo e a maestria e simplicidade na criação gráfica da figura são, desde sempre, inspiração para desenhistas do mundo inteiro.
Sem Raymond, a Era de Ouro dos Quadrinhos[4] não seria, certamente, tão dourada. A história que inicia esta publicação, O Caso Faraday (The Chip Faraday Murder, no original), foi a primeira aparição de Rip na imprensa americana, onde foi publicado em tiras diárias desde 4 de março de 1946. Após a morte de Raymond, a tira passou a ser desenhada por John Prentice, que a faz até hoje[5].

A semana de estreia de Rip Kirby.

_____
Notas:

[1] Campanha bem sucedida liderada pelas forças imperiais japonesas para o controle da ilha de Bornéu durante a Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre dezembro de 1941 e abril de 1942. Há um possível erro no texto original, visto que Raymond juntou-se à Guerra dois anos após o fim desta batalha.

[2] Maior ataque anfíbio — operação militar lançada a partir do mar por uma força naval em navios, envolvendo o desembarque em uma praia — da Segunda Guerra Mundial, ocorreu durante a campanha do Pacífico entre abril e junho de 1945. Foi a maior das batalhas ocorridas, com estimativa de baixas entre 42 a 150 mil civis mortos.

[3] Em português, Estilo Americano de Vida. Expressão aplicada a um estilo de vida que funcionaria como referência de autoimagem para a maioria dos habitantes norte-americanos, cuja base é a crença nos direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade como direitos inalienáveis para todos os americanos.

[4] Período compreendido entre os anos de 1938 e 1956 por historiadores, onde os quadrinhos se tornaram extremamente populares, levando à criação dos gibis e do gênero de super-heróis. Teve seu início marcado pelo lançamento de Superman e seu fim foi marcado pela criação do Código Regulador de Quadrinhos (Comic Code Authority) pela Associação de Revistas em Quadrinho Americana (Comics Magazine Association of America), código este que passou a censurar conteúdos em quadrinhos norte-americanos.

[5] John Prentice trabalhou na tira até sua morte em 23 de maio de 1999. A tira chegou ao fim em 26 de junho do mesmo ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário