QUANDO
CRIANÇA, EXPERIMENTEI uma das experiências mais
sofridas que existem: a dor da perda.
Lembro-me exatamente da emoção de ganhar uma Beyblade de presente
de minha avó paterna, Leda, e de ficar extremamente empolgado e feliz com isso.
Beyblades eram piões feitos de ferro, inspirados numa animação japonesa
de mesmo nome que contava a história de um garoto que encarava outros em duelos,
em busca do título de campeão mundial.
Brincava com ela todos os dias, lá na Usina, onde minha avó morava. Meu
irmão também tinha ganhado a sua, então passávamos horas a disputar quem
mantinha seu próprio pião girando por mais tempo. Puxa, lembro que até me
vestia como o protagonista do desenho, para entrar ainda mais no espírito da
coisa! Carregava a engenhoca para cima e para baixo na cintura, preso ao seu
lançador, da mesma forma que as personagens faziam.
Mas a vida foi traiçoeira comigo e, num belo dia, ao chegar próximo ao
terminal rodoviário perto do Alto da Boa Vista, passando pela lateral do rio
que havia por lá, ouço o clique único que o pião fazia ao soltar do lançador
quando girado.
Minha Beyblade estava caindo!
E, como uma pegadinha do destino, ela quicou na minha frente e passou exatamente
no meio do buraco que havia na grade de proteção que dividia a calçada do rio.
E então, pluf, caiu na água e foi arrastado. E eu me vi sem reação,
encarando o objeto sendo arrastado água abaixo até desaparecer de vista alguns
metros à frente…
Chorei demais. Realmente doeu. Afinal, não fazia tanto tempo que tinha o
pião. Acho que o tive por uns dois dias.
A mesma sensação foi experimentada quando ganhei minha primeira bola de
futebol americano. Sou um grande fã do esporte – tendo inclusive jogado como
quarterback em um time do Rio de Janeiro. Imagine a emoção por estar segurando
pela primeira vez o objeto-chave daquele esporte que eu amava!
Porém, logo no meu primeiro lançamento da minha primeira bola oval, ela
voou alto e então atingiu uma Agave augustifolia, também conhecida como
“piteira do caribe”, planta muito comum com um espinho na ponta de cada folha.
E ficou lá parada, como um pedaço de quibe, liberando todo o ar contido
enquanto soltava um som baixo de pfff…, esvaziando… furada...
Talvez me tenha faltado maestria no primeiro arremesso, mas a intenção
era de jogar a bola para meu primo.
Teve também certa vez em que ganhei uma Ferrari de presente do
Papai Noel – que, anos depois vim descobrir, era meu avô materno, Aguinaldo,
que assinara na caixa com o nome da figura natalina. Ela era de controle
remoto, completamente detalhada e ainda abria as portas e levantava o capô.
Belíssima!
Até que ela desapareceu. Minha mãe jura que ela ainda está guardada em
algum lugar, mas eu nunca mais a vi. Foram bons, os momentos que pressionei a
alavanca do controle e vi o veículo mover-se para frente, rapidamente.
Toda essa crônica está sendo escrita porque ouvi alguém me dizer que “É
perdendo que realmente damos valor”. Ainda hoje, estou aprendendo a lidar com
as perdas que a vida gera, procurando compreender os sentimentos a elas
relacionados.
Anos depois de perder a Beyblade e a Ferrari, eu perdia meu avô, de quem
herdei meu segundo nome, Cristovam. Logo depois que me mudei para o Rio
Grande do Norte, perdi minha avó paterna. Hoje, um bom tempo após perder minha
primeira bola oval, já nem assisto mais aos jogos de futebol americano que
passam pela televisão. Ao contrário, só acompanho os resultados do time que
ainda torço, mas sem tanto afinco. O que me foi importante um dia, hoje não
está presente comigo.
Algumas perdas realmente marcam. Outras, ficam como lições. Mas o
importante mesmo é o que aprendi em minha terapia: os momentos bons que
existiram são os que realmente ficam guardados na memória, e eles
são os responsáveis por fazer com que a dor da perda seja, enfim, superada.
/18 out 2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário