segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Conversas de um sábado à noite

FOI NA NOITE DE SÁBADO. Eu tinha acabado de sentar no assento do ônibus onde quase sempre ando sentando quando me locomovo pela cidade. É o assento de frente ao banco ao contrário que mencionei num texto anterior. Tirei o livro que tinha acabado de comprar no shopping quando vejo uma pessoa ameaçando passar para sentar à minha frente.
         — Ops... Pode passar! — eu disse à moça.
         — Não, obrigado, vou sentar aqui ao lado mesmo.
         — Ah, certo. É tão difícil ver alguém sentando no banco ao contrário.
         — Realmente. Eu até cogitei a ideia de sentar ali, mas então notei que ia ficar de costas para o trajeto e de frente para todo o resto do ônibus...
         — Sei exatamente como se sente! Eu até gosto de me sentar ali, mas vejo que é uma tremenda responsabilidade. Parece que todo mundo decide encarar você bem no fundo dos olhos.
         — É! Eu mesma só me sento por ali quando não tem mais nenhum lugar possível para sentar.
         — Isso me lembra um fato engraçado que ocorreu há duas semanas: eu estava exatamente aqui, neste mesmo banco, chorando, em plena segunda de manhã. E tinha uma mulher que sentou de frente para mim e ficou a me encarar, com cara estranha, provavelmente imaginando o que estaria me levando a ficar desse jeito.
— Ela provavelmente sentiu o peso de querer saber se poderia ajudar em algo...
— A tal “tremenda responsabilidade”!
Depois de rirmos por um tempo, voltei à minha leitura. Alguns pontos depois, sobe uma pessoa que encara de lado o banco ao contrário logo na roleta. Encolhi minhas pernas, abrindo espaço novamente e noto que o mesmo foi feito pela moça ao lado.
— Ela não vai sentar ali, quer apostar? — ouço-a sussurrar para mim.
E não sentou mesmo. Passou direto.
— É, é realmente uma responsabilidade que poucos conseguem encarar.
— Eu estava jurando que ela ia vir com tudo e que teríamos nossa companhia ao contrário durante o resto do trajeto!
— Não foi dessa vez. E eu bem notei que você puxou as pernas pra deixá-la passar... Acho que faltou coragem para ela.
— E eu fiz tal movimento como quem não queria nada!
Rindo, virei-me à procura da moça que passou direto e noto que ela sentou bem atrás de nós dois.
— Ela está nas nossas costas e estamos falando alto dela! — dessa vez, eu que sussurro.
— Mentira? — o tom de descrença e surpresa me fizeram soltar uma risada alta.
Ficamos a rir e conversar durante todo o resto do percurso, dando pausas toda vez que alguém subia no ônibus, torcendo para que viessem sentar no banco ao contrário. Não aconteceu.
— Parece que não vai ser hoje que teremos o corajoso...
— Essa com certeza é uma das conversas mais aleatórias que já tive em um ônibus.
— O que posso dizer? São aquelas conversas de um sábado à noite...
— Isso definitivamente dá um belo título pra minha próxima crônica.
A vida tem alguns momentos únicos, e saber aproveitá-los é fundamental. Vivemos numa sociedade ansiosa, sempre olhando pro amanhã, sem saber contemplar o agora. Essa crônica foi escrita justamente para que eu guardasse a memória de risadas gostosas que dei numa noite de sábado, voltando para casa, em um ônibus.
Obrigado, Shyrlane, por realmente me proporcionar uma das conversas mais aleatórias que já tive. Espero que numa próxima viagem em que eu te encontrar, tenhamos a sorte de conhecer o tal corajoso que sentará no banco ao contrário...

/28 out 2019



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