domingo, 23 de abril de 2023

Bruce Canwell sobre a tira do Homem-Aranha

O editor Bruce Canwell com seu livro “The Life and Art
of Alex Toth” e o Harvey Awards de 2012 que ganhou
na categoria Melhor Apresentação Biográfica,
Histórica ou Jornalística

JÁ NÃO É SEGREDO que minha tira favorita é a do Homem-Aranha. Enquanto procurava mais informações sobre a história da tira, encontrei uma interessante entrevista que Bruce Canwell — editor da série de livros lançada nos EUA que compila as tiras e que, recentemente, está sendo lançada pela Panini Comics aqui no Brasil — concedeu ao site Bleeding Cool em 2018 — curiosa e ironicamente um ano antes do fim da tira — em que ele fala muitos detalhes interessantes sobre a tira. Decidi traduzir a conversa, mediada por Ian Melton, e ela está na íntegra abaixo:

BLEEDING COOL: A tira do Homem-Aranha já teve algumas tentativas de ser compilada em livros. Eu sei que nos anos 1980, muitas das tiras do começo, em 1977, foram cortadas, coloridas e juntadas em duas edições de capa cartão, e uma coleção de histórias aleatórias foram colocadas com uma longa introdução do Stan Lee chamada “O Melhor do Homem-Aranha”. Duas revistas, Comics Revue [Revista dos Quadrinhos] e Storyline Strips [Tiras com Arcos, em tradução literal], também coletaram muitas das aventuras diárias dos anos 1980 e 1990 e, finalmente, a própria Marvel publicou todas as tiras feitas pela dupla Lee/Romita em dois livros há alguns anos, durante uma época em que a Library of American Comics (LOAC) [Biblioteca dos Quadrinhos Americanos] já estava publicando coletâneas de outras grandes tiras. Como foi o processo para receber os direitos de publicar as tiras do Homem-Aranha?

BRUCE CANWELL: Foi uma negociação bem direta, mas também foi um exemplo da sinergia que existe entre a LOAC e a IDW. O editor Scott Dunbier, na nave mãe da IDW, já tinha estabelecido uma boa relação de trabalho com a Marvel graças aos livros multipremiados Artist’s Edition [Edição do Artista], e isso facilitou demais para que a LOAC adquirisse os direitos de reprodução das tiras do Aranha. Como parte do acordo, a Marvel revisa e aprova cada um dos livros antes deles serem impressos, e eles têm sido perfeitos com seu profissionalismo — tem sido uma incrível relação de trabalho e esperamos que eles se sintam da mesma forma.

BLEEDING COOL: E como você conseguiu o trabalho de ser o editor das coleções de tiras do Homem-Aranha?

BRUCE CANWELL: Dean conhece minha afinidade pela Era de Prata da Marvel Comics, então, quando adquirimos os direitos para publicar o Homem-Aranha — o que queria dizer que teríamos os roteiros do Stan Lee e, no começo, o belíssimo, belíssimo trabalho artístico de John Romita Sr. —, Dean logo pensou em mim para editar a série. Ou seria ele ou seria eu. Ele achou que eu iria me divertir com o trabalho e acertou em cheio!

BLEEDING COOL: Você poderia dar um resumo da história da tira do Homem-Aranha?

BRUCE CANWELL: Nos anos tardios de 1970, a Marvel estava querendo se expandir para além das revistas de quadrinhos. Desde 1974, o Homem-Aranha tinha sido elevado a ganhar um segmento intitulado Spidey Super Stories [Super Histórias do Aranha] na excelente série Electric Company [Companhia Elétrica] da Public TV, e uma série de TV estrelando Nicholas Hammond estava em desenvolvimento. O Quarteto Fantástico estava com uma série de rádio que teve 13 episódios e tinha um jovem Bill Murray fazendo a voz do Johnny Storm.
Uma versão para jornal do Homem-Aranha parecia uma extensão lógica para a “marca” do teioso (se bem que, nos anos 1970, as pessoas não falavam de “marcas” a não ser que estivessem se referindo a coisas como um sabão!). Stan e John Romita — bem antes dele passar a ser chamado de “Senior” — trabalharam em algumas tiras de exemplo, a Marvel vendeu a ideia para vários sindicatos e enfim um contrato para lançar The Amazing Spider-Man [O Espetacular Homem-Aranha] nos jornais de uma costa à outra foi feito. A série estreou no dia 3 de janeiro de 1977 e ainda sai até hoje, mais de quatro décadas depois do lançamento.

BLEEDING COOL: Quais artistas já trabalharam na tira do Homem-Aranha?

BRUCE CANWELL: O brilhante Steve Ditko cocriou o Homem-Aranha na Marvel Comics, é claro, mas, para muitos leitores ávidos dos gibis do Aranha nos finais dos anos 1960 e começo dos anos 1970, John Romita é O ARTISTA do Homem-Aranha, e, portanto, ele foi o primeiro artista na tira. Eu o entrevistei para uma matéria do primeiro livro da nossa série, a terceira vez que tive a felicidade de falar com ele — ele é muito gracioso com seu tempo e sempre está pronto para compartilhar suas experiências e memórias. Um verdadeiro amor de pessoa! Eu tenho um tremendo respeito pelo John Romita Sr., tanto como pessoa quanto como artista.
As páginas dominicais do Aranha têm uma longa história de serem desenhadas pelo Alex Saviuk, com a arte-final sendo feita por outra pérola da Marvel, Joe Sinnott — que, para mim, sempre foi o “Senhor Quarteto Fantástico”, já que eu acompanhei o Quarteto enquanto ele arte-finalizava Jack Kirby, o próprio John Romita, John Buscema, Rich Buckler, George Pérez e John Byrne, numa década repleta de trabalhos hipnotizantes aos olhos. Larry Lieber, irmão de Stan, desenha a tira diária, e já faz isso há anos — a atual fase do Larry é sua segunda passagem na tira, já que ele foi o segundo artista a trabalhar nela quando John Romita a deixou. Passei quase duas horas ao telefone com Larry, falando sobre sua carreira e sua conexão com o Homem-Aranha — e ele me encantou demais, um homem genuíno e verdadeiro! Significantes porções dessa conversa apareceram no nosso terceiro volume, e outros segmentos vão aparecer no futuro assim que Larry voltar às tarefas artísticas.
Entre o “Jazzy” John Romita e o time atual, um grande número de artistas contribuiu com a tira: Fred Kida, Floro Dery, e diversos outros artistas não-creditados da Marvel. John Romita me disse que nos primeiros dias, Kida e Frank Giacoia ocasionalmente ajudavam-no, arte-finalizando alguns quadros quando o prazo final apertava. Os leitores mais atentos identificaram o trabalho de George Tuska e de Vinnie Colletta, dentre outros, em várias das tiras do começo dos anos 1980. Nosso quinto volume trará um novo artista na tira, alguém que mesmo os leitores de longa data nunca associariam com nem a Marvel Comics como com o Homem-Aranha. Tenho certeza de que qualquer um com tempo livre pode procurar na internet e aprender mais sobre o nome desse “Grande Talento” e sua impressionante lista de créditos pré-Aranha, mas não irei revelar sua identidade aqui. O mistério vai servir como motivação pro quinto volume!

BLEEDING COOL: Quando você começou a ler as tiras do Homem-Aranha?

BRUCE CANWELL: Acredite se quiser, eu fui um leitor esporádico das tiras do Aranha por muito tempo da minha vida. O Boston Globe publicava, mas, durante o período em que Stan e John começaram a mandar ver, a vida ficou complicada e eu passaria a ler o Globe de vez em quando — talvez duas ou três vezes por mês. Eu sempre dava uma olhada pra ver o que estava acontecendo com o Teioso nessas ocasiões, mas perdi muito da continuidade das histórias. Com a vinda da internet, passei a encontrar uma ou outra história em sites como este [o Bleeding Cool], que referenciavam a tira, e eu leria essas histórias, o que me deixava mais a par do que estava acontecendo nos jornais. Ainda assim, eu ainda lia milhares e milhares de histórias dos gibis do Aranha, então não tinha me dedicado com afinco às tiras. Como você pode notar, isso mudou nos últimos três anos desde que a LOAC passou a desenvolver e publicar a coleção das tiras do herói!

BLEEDING COOL: A tira do Homem-Aranha é uma coisa pela qual eu possuo um enorme carinho, já que meu jornal local publicava as histórias nos anos 1990 e eu me lembro de recortar e colecionar cada tira. Voltei às tiras e passei a acompanha-las online desde 2005 no site do [Sindicato] King Features. Mas, ao tentar voltar no tempo e ler as tiras antigas nas inúmeras tentativas de coletâneas, existem muitas histórias que nunca foram republicadas. Quais histórias você conhece que ainda não foram republicadas?

BRUCE CANWELL: Ah, cara! Tem décadas de histórias que nunca virão a luz do dia novamente desde que foram publicadas nos jornais! O Aranha enfrentando mais gângsteres, robôs e mentes diabólicas do que você pode contar e jogar sua teia — a tia May até se apaixonou, dentre todas as pessoas do mundo, pelo Toupeira (em tiras que começaram a sair em outubro de 2010). O Rei do Crime, Kraven o Caçador e o Doutor Octopus fazem seus retornos, enquanto vilões como Electro, Duende Macabro e Morbius decidem migrar pro formato de tiras. E a vida amorosa do Peter nunca se afasta do centro da atenção na tira. Além disso, uma imensidão de heróis da Marvel sempre dá as caras de tempos em tempos. Acabamos de republicar a primeira aparição do Namor no quarto volume da série.

BLEEDING COOL: E quantas tiras do Homem-Aranha você já leu?

BRUCE CANWELL: Eu geralmente fico por volta de dois anos à frente da data final do livro mais recente que a gente publicou, então eu estou entre as tiras de 1985 e 1986, dado que o quarto volume republicou os anos de 1983 e 1984.

BLEEDING COOL: Sempre foi o [Sindicato] King Features quem publicou as tiras?

BRUCE CANWELL: Não. A Marvel fez o primeiro contrato com o Sindicato Register and Tribune, os que lançaram The Family Circus [O Circo Familiar] e The Spirit [O Spirit] aos jornais. Se você olhar pras letras pequenas que trazem os créditos que saem entre os quadros de todas as tiras dos quatro primeiros volumes, você vai ver que o Register and Tribune é o sindicato creditado. Foi em 1986 que o King Features comprou o Register and Tribune, e a tira do Aranha passou a integrar o poderoso time de tiras do King Features.

BLEEDING COOL: Você escreveu algumas maravilhosas introduções para os volumes da coleção “O Espetacular Homem-Aranha: As Tiras” e, no quarto volume, teve uma entrevista maravilhosa com Jim Shooter, antigo Editor-Chefe da Marvel. Primeiro, você poderia dar uma pista das entrevistas nas quais você está trabalhando para os próximos volumes?

BRUCE CANWELL: Como mencionei, John Romita Sr. e Larry Lieber já falaram comigo sobre a tira e eu incluí suas palavras nos primeiros volumes. Também tive a sorte grande de conseguir 20 minutos do tempo valioso do Stan Lee em 2015 — e suas palavras foram incluídas no segundo volume da série.
Para o quinto volume, vou dizer que já fiz entrevistas com membros da família de um artista do Aranha que não está mais conosco e, junto dos insights que eles me providenciaram, nosso próximo livro trará exemplos nunca antes vistos do artista que não revelarei cujas pessoas próximas foram boas o suficiente para providenciar para nós. Eles nos deram tanto trabalho que estou pensando em fazer uma postagem-bônus em nosso website — talvez duas! — só para compartilhar com os leitores mais sobre o que descobrimos deste talento não-apreciado.

BLEEDING COOL: E segundo, com quem você gostaria de conversar sobre as tiras do Homem-Aranha que você ainda não conseguiu conversar?

BRUCE CANWELL: Eu quero entrevistar o Alex Saviuk, que é amigo de um amigo meu, Lee Weeks. Lee me disse que o Alex é um cara gente fina, então eu espero poder falar com ele em algum momento no futuro. E Joe Sinnott, é claro. Eu já encontrei o Joe muitas vezes, somos ambos fanáticos por beisebol, Joe é fã dos [San Francisco] Giants, eu, dos [Boston] Red Sox. Nesses encontros, a gente sempre conversava sobre beisebol e quadrinhos. Joe tem algumas pinturas belíssimas no Baseball Hall of Fame [Hall da Fama do Beisebol] e todo fã de quadrinhos que também ama beisebol devia dar uma olhada nos trabalhos que estão no Hall em Cooperstown, Nova Iorque. Eu também quero falar com o Roy Thomas, por uma variedade de motivos, quando for a hora certa.

BLEEDING COOL: Interessante você mencionar o Roy Thomas. Uma coisa que tem sido consistente quanto às tiras de jornal do Homem-Aranha é que o nome do Stan Lee está em todas as tiras. Aliás, mesmo as tiras publicadas ainda hoje saem com o nome dele sendo creditado como o escritor, com seu irmão Larry Lieber sendo o artista nas diárias e o Alex Saviuk como o artista das dominicais. Entretanto, uma coisa que eu li há alguns anos na revista Alter Ego foi o Roy Thomas falando sobre trabalhar na tira com o Stan Lee, e o Jim Shooter também mencionou esse trabalho do Roy na entrevista. Uma interpretação possível pra isto é que o nome do Stan estava na tira, mas eram outros escritores que a escreviam por ele. Se isso for verdadeiro, quer dizer que Stan Lee não foi o único escritor a fazer isso, assim como o nome do Bob Kane aparecia nas tiras do Batman que ele não desenhou. Porém, sua entrevista com o Shooter sugere que alguém mais estava escrevendo as histórias por um tempo, um artista desenhava as tiras em cima dessas histórias (a maioria foi o próprio Larry Lieber por muitos anos) e então o Stan escrevia os diálogos, significando um envolvimento dele desde 1977. Você consegue providenciar alguma informação sobre isso e que entendimento você tem sobre como a tira era feita?

BRUCE CANWELL: Bem, vamos dar um pouco de perspectiva histórica a essa conversa: o jogo das tiras de jornal é complicadíssimo — não é pra qualquer um! Os criadores têm de trabalhar por semanas à frente da data atual, e tem de estar ainda mais à frente nas dominicais, em comparação às diárias — por conta do trabalho adicional que dá ter de colorir essas tiras em específico —, e eles precisam manter novas ideias surgindo a todo momento, e então escrever, desenhar, arte-finalizar e letreirar essas ideias para trazê-las à vida nas páginas e, mais recentemente, telas digitais.
Esse preâmbulo é providenciado para clarear as razões por traz da minha próxima afirmação: não é incomum nas histórias das tiras de jornais que assistentes não-creditados ou os “fantasmas” (são duas coisas diferentes) ajudem a produzir as ideias que eles cresceram lendo diariamente. Basta voltarmos ao comecinho dos anos 1930: bem antes de Alex Raymond nos dar Flash Gordon e, mais tarde, Rip Kirby [Nick Holmes], ele ajudou os irmãos Young em suas duas tiras — primeiramente em Blondie, de Chic Young e depois em Tim Tyler’s Luck [A Sorte de Tim Tyler], de Lyman Young. As alegações de maus tratos e falta de pagamentos de Al Capp enquanto ele auxiliava Ham Fisher na sua Joe Palooka [Joe Sopapo] colocou os dois numa briga que durou aproximadamente duas décadas — e temos falado sobre isto em detalhes na série de livros da tira Li’l Abner [Ferdinando]. O sobrinho de Norman Rockwell, Richard, gastou 35 anos ao lado de Milton Caniff na produção de Steve Canyon. Existem muitos outros exemplos. Não é incomum, e as extenuantes requisições para o trabalho podiam às vezes demandar até que os maiores nomes da indústria entrassem no jogo.
Portanto, sim, é de conhecimento comum que Stan teve assistência não-creditada nas ideias para as tiras do Aranha, mas o mesmo Stan também “deu voz” à tira com essa assistência. Em alguns artigos recentes, vejo sarcasmo sendo usado sobre os roteiros de Stan, até mesmo com relação aos clássicos trabalhos da Era de Prata dele na Marvel. Isso só me faz balançar a cabeça por conta da pura ignorância sendo mostrada pelos autores desses artigos. Quem é considerado o melhor escritor de diálogos nos gibis de hoje? Brian K. Vaughan? Tom King? Dan Slott? Warren Ellis? Brian Michael Bendis? Alguém mais? Quando meus contemporêneos e eu líamos os gibis da Era de Prata, Stan Lee era todos esses caras juntos. As referências à cultura pop, a habilidade de providenciar formas de fala distintas para diversos personagens, as piadas e o senso de humor — ele era a cabeça E os ombros dos seus parceiros dos anos 1960 e você não passa de um Peter David para os autores “realistas” de hoje como King e Slott e os outros se não tivesse um Stan Lee no começo de tudo. O que quero dizer com tudo isso é: se Stan precisava de ajuda com ideias pra tira do Aranha, isso é algo aceitável para mim como um leitor se o deixava livre para focar nos roteiros.

BLEEDING COOL: Todos são ótimos pontos e isso significa dizer que realmente era o Stan Lee escrevendo e idealizando as tiras desde 1977. Mesmo se ele tivesse outros dando ideias pra tira, é algo impressionante trabalhar numa mesma coisa por 40 anos! Existem outras tiras que tiveram seus criadores tendo tamanha longevidade?

BRUCE CANWELL: Claro, definitivamente, foram muitas. A própria Blondie começou em 1930 e seu criador, Chic Young, trabalhou nela até morrer, em 1973, e a tira segue existindo sob trabalho de outros artistas desde então. Beetle Bailey [Recruta Zero] e Peanuts [Minduim] ambas foram lançadas em 1950. Peanuts saía diariamente até o autor, Charles “Sparky” Schulz, morrer em 2000, enquanto que Beetle Bailey segue firme e forte até hoje! Sendo numa versão dominical ou diária, Flash Gordon começou em 1934 e só acabou no começo desse século. E isso é só uma pequena parte de uma gigantesca lista. As tiras de jornal foram colocadas no forno para a cultura norte-americana faz um bom tempo!

BLEEDING COOL: Hoje, as tiras de jornal do Aranha são bem diferentes se comparadas aos gibis e nos seus primeiros anos ela focava em (1) diversos vilões das antigas como o Doutor Octopus, o Doutor Destino e o Rei do Crime; (2) a relação do Peter com a tia May; e (3) as muitas namoradas de Peter, incluindo Mary Jane e uma grande variedade de mulheres que não existem nos gibis, geralmente uma a cada nova história. Por conta disso e com o foco em criar vilões que não existem nos gibis e também os diálogos bem Stan Lee, a tira tem uma “reputação negativa”, mesmo com a longevidade. De onde você acha que essa reputação vem?

BRUCE CANWELL: Eu creio que ela vem do aspecto dos fãs de quadrinhos terem resumido a tira a “essa versão do personagem não é a minha versão do personagem”. E, ei, eu entendo, porque também pensei assim por um tempo da minha vida. Cresci sendo um grande fã do Quarteto Fantástico — e eles seguem numa lista pequena de personagens que eu adoraria escrever um dia —, mas, quando John Byrne começou a escrever e desenhar os gibis, eu achei que ele tinha mudado a coisa toda, por vários motivos que nem são importantes. Como muita gente sabe, a maioria dos leitores adorou o trabalho do Byrne, o que só me deixou ainda mais frustrado. Como todo mundo não conseguiu notar que o Quarteto Fantástico do Byrne não era O Quarteto Fantástico?
O que eu descobri depois foi que o problema era comigo. Não era o Quarteto Fantástico do Byrne que não era O Quarteto Fantástico, era que o Quarteto Fantástico do Byrne não era o MEU Quarteto Fantástico. Tudo bem que eu reagisse negativamente, por conta de todos os anos que eu tinha investido nos personagens e em suas histórias até aquele momento, mas também estava tudo bem que os outros gostassem do que Byrne estava fazendo. Qualquer um que tente dar uma “reputação” à tira do Aranha provavelmente estaria fazendo melhor se apenas aceitasse que a versão do Aranha para os jornais não é a sua favorita e só seguisse adiante.

BLEEDING COOL: Você acha que é uma reputação válida?

BRUCE CANWELL: Para aqueles que têm uma impressão negativa sobre a tira, ei, você é livre pra isso. Você é livre para ter sua opinião e investir seu tempo e dinheiro naquilo que você realmente gosta.
Mas pense na quantidade de Homens-Aranha que já vimos: o original dos gibis criados por Stan Lee, Steve Ditko e John Romita, as animações de 1967, a versão do Spidey Super Stories, a série de TV do Nicholas Hammond, a versão Spider-Man and His Amazing Friends [Homem-Aranha e seus Espetaculares Amigos], e..., e..., e..., até chegarmos no Peter Parker atual (e o Miles Morales também) nos quadrinhos e também os filmes com Tobey Maguire, Andrew Garfield e Tom Holland. Eu acho que é crueldade demais julgar qualquer uma dessas versões. Todas elas existem, cada uma delas se conecta com outra e se mescla com outra. Com o passar dos anos, um truque que aprendi — e que pode ser aplicado a qualquer coisa, incluindo o Homem-Aranha — é focar naquilo que eu gosto e passar o menor tempo possível com aquilo que não me deixa entusiasmado. É fácil enfatizar o negativo, mas é muito melhor valorizar o positivo. Uma vida inteira lendo quadrinhos me ensinou que é um trabalho mais gostoso trabalhar no lado da luz do que no lado das trevas.

BLEEDING COOL: Quais das primeiras histórias você acha que ganharam essa reputação? Por exemplo, o arco com o abuso na infância?

BRUCE CANWELL: Eu duvido que alguma história ou série de histórias em específico tenham alimentado qualquer sentimento contra a tira do Aranha que possa existir. É mais uma reação comum ao tom e à ênfase da tira, quando comparados ao tom e à ênfase dos gibis.
O Espetacular Homem-Aranha é uma das poucas tiras modernas que poderiam falar sobre abuso infantil, indiferente de quão bem-sucedido ou malsucedido alguém veja essa história em particular. É precisa uma certa quantidade de coragem para colocar um assunto tão polêmico numa série que é destinada ao público em geral. Sabe, algumas pessoas hoje tem um desdém das edições 96 a 98 do gibi do Aranha em 1971, que trouxe a história sobre drogas que foi publicada sem a autorização do Comics Code Authority [Autoridade do Código dos Quadrinhos], algo impensável na época. Eu estava lá, comprei aquelas edições nas bancas quando elas saíram, e, sendo uma criança de dez anos, elas me marcaram e reforçaram ainda mais as mensagens contra as drogas que falavam na época. Falar sobre tópicos complexos numa mídia como os quadrinhos, onde é um tanto difícil lidar com complexidades, é sempre algo arriscado. E, sendo nos gibis ou nas tiras de jornal, O Espetacular Homem-Aranha merece um crédito por dar uma chance.

BLEEDING COOL: E esse arco vai sair em breve na coleção. No próximo volume, se não me engano, certo? E o que mais você pode falar das histórias do volume 5?

BRUCE CANWELL: Você está certíssimo, a história sobre o abuso infantil vai sair no próximo volume. Eu diria que a maior surpresa do volume 5 — além dos detalhes artísticos que já falamos sobre — é a Mary Jane Watson passando a ganhar um maior destaque na tira com o Peter. Então, para os fãs da MJ, quando sair o próximo volume... “Aceitem, gatões, vocês ganharam na loteria!”

BLEEDING COOL: Quais são os pontos fortes do Homem-Aranha no formato de tira para jornal? Ela acaba de completar seus 40 anos de vida — e eu fico surpreso de ninguém ter falado sobre isso — então dá pra ver que as histórias do Aranha funcionam nesse formato...

BRUCE CANWELL: Eu acho que a tira do Aranha tem algumas grandes vantagens. Primeiramente, o Homem-Aranha e Peter Parker são personagens muito únicos, e estão muito mais próximos de uma pessoa comum do que a maioria dos super-heróis. Eles não têm poderes que abalam estruturas, como o Superman, ou uma fonte inesgotável de dinheiro e apetrechos como Tony Stark ou Bruce Wayne. Eles não são deuses antigos como o Thor ou Novos Deuses como Orion. Isso significa que ambos Peter e o Aranha sofrem para alcançar algum sucesso e isso se assemelha aos humanos e ao jeito de viver, já que poucos de nós conseguimos as coisas de bandeja.
Em segundo, a tira do Aranha traz um certo sabor do super heroísmo para o público em geral que comprava e lia os jornais diariamente e agora usa a internet pra receber sua dose diária de notícias e entretenimento — incluindo as tiras. Dos anos 1970 a 1990, essa tira era a principal ligação entre os super-heróis e os cidadãos comuns. Hoje, os filmes de super-heróis preenchem essa lacuna, mas a tira do Aranha segue viva, dia após dia, ao contrário dos filmes que saem de meses em meses, e isso é algo que dá certo poder à tira.

BLEEDING COOL: Mesmo sem a aparição de outros heróis na tira por mais de uma década — exceto duas aparições e histórias com Namor, se não me engano —, as tiras não tiveram “aparições especiais” até 1992, com o Dr. Estranho, e então o Demolidor e a saga Agenda Mutante com o Fera. Que outros heróis apareceram na tira?

BRUCE CANWELL: Tenho certeza de que não consigo fazer uma lista sem consultar minhas anotações, mas, de cabeça, consigo dizer que o Wolverine já apareceu uma vez, o Hulk algumas também, e sei que o Coisa já deu as caras porque sou um grande fã do Ben Grimm (ele aparece no arco da tia May com o Toupeira), e também teve o Tony Stark e sua armadura do Homem de Ferro numa história. Ah, sim! O Rocky Racum dos Guardiões da Galáxia se juntou ao Aranha no ano passado! E, é claro, temos muitos vilões familiares da Marvel como o Shocker, o Cabeça-de-Ovo, Tyrannus, Homem-Areia e Electro. O resultado é que os leitores sempre tinham um saborzinho do gigantesco Universo Marvel — ao menos na versão em tiras desse Universo.

BLEEDING COOL: Eu sei que, em minhas leituras das tiras que começaram em 1992, as aparições especiais se tornaram mais comuns — desde os mencionados Dr. Estranho e Demolidor, que fazem bastante sentido. O Justiceiro apareceu em 2004, e o encontro das tiras e gibis no arco Agenda Mutante, com o Aranha e o Fera contra o Duende Macabro chegaram a ser adaptados pra série de TV animada. Vocês têm planos de continuar coletando as tiras até a coleção atingir os anos mais recentes? (Chegar em 2017 significaria 20 volumes.)

BRUCE CANWELL: Estamos felizes com os números de vendas dos primeiros quatro volumes da série, e vamos continuar produzindo enquanto eles venderem. Se o público quer ler as tiras do Aranha, vamos continuar as trazendo!

BLEEDING COOL: Pessoalmente, eu estou ansioso para ver os volumes 6 e 7, pois os anos de 1988 e 1989 são os que eu mais me lembro de ler, com a história do sobrinho do J. Jonah Jameson fazendo uma tira diária tirando sarro do Homem-Aranha, além da tia May e o lutador russo... Alguns arcos são bem estranhos (risos). Olhando para outras tiras, existe alguma chance de termos uma coletânea das tiras do Hulk? Além disso, as outras duas que a Marvel lançou — Howard o Pato e Conan o Bárbaro — não foram republicadas (no caso do Conan, não por completo), então há planos pra elas também?

BRUCE CANWELL: Já expressamos interesse em lançar todas as três tiras — eu mesmo sou um grande fã das tiras do Howard, então vivo falando delas pro Dean —, mas, até o momento, nenhum acordo foi fechado. Somente o tempo irá dizer...

As tiras do Homem-Aranha estão sendo lançadas no Brasil pela Panini Comics — que usa os mesmos livros da IDW como base. Até o momento, somente os 5 volumes que foram mencionados na entrevista foram lançados lá nos EUA — e o mesmo está para acontecer aqui. Ficamos na torcida para que o resto das tiras sejam compiladas e lançadas algum dia!

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