domingo, 14 de fevereiro de 2021

Mochila peculiar, roubo na noite e a casa com chão de carpete

Foto de Matheus Bertelli.

CANSADO, PEGUEI FACILMENTE no sono. E sonhei.


Em meu sonho, reencontrei uma garota que conheci alguns anos atrás e que mantenho contato virtualmente hoje. Era claro que era ela no sonho por conta do seu cabelo único, com um corte curto e com as pontas coloridas – que é uma das características que eu mais acho bonita nela. Ela estava acompanhada de uma outra garota que eu desconhecia, mas presumi que fosse amiga dela. Esta garota tinha um cabelo liso que caia pelos ombros, encaracolando levemente nas pontas. Era mais baixa que nós dois – me recordo que a altura da amiga virtual era parecida com a minha – e carregava uma mochila curiosa em suas costas.
Porém, o fato mais estranho sobre essa garota desconhecida era que ela não falava o meu idioma. Ou, pelo menos, não falava algum dos idiomas que eu conheço. Se eu pudesse chutar, diria que se assemelhava ao norueguês – eu conheço o norueguês mas não faço ideia do que qualquer coisa seja no idioma, nem mesmo o básico “Olá”.
A garota que eu conhecia, minha amiga virtual, ela sim sabia e falava esse idioma desconhecido. Pelo pouco que conheço dela, não desconfiei de tal fato estranho. Sinto que ela parece ser totalmente capaz de falar outro idioma com tranquilidade. Mas o mais estranho sobre a garota conhecida era que eu compreendia a fala dela mas não compreendia a fala da garota desconhecida.
Ambas falavam o tal idioma estranho mas eu não entendia quando a garota desconhecida o falava, enquanto que a garota conhecida aparentava falar minha língua nativa mesmo que o idioma não fosse minha língua nativa.
De começo fiquei confuso e decidi aceitar as traduções que me eram feitas pela garota conhecida. Eu já entendia, mas ela fazia questão de repetir tudo novamente para mim, na minha língua nativa.
Acompanhei ambas pela rua. Era noite e o clima estava frio. A temperatura havia baixado durante essa noite em específico. Lembro de ouvir muito a conversa de ambas, mas de falar pouco por conta da questão da tradução necessária. Na maioria das vezes, apenas concordava balançando a cabeça e ficava curioso pela situação que ali acontecia.
Num dado momento, nos vimos cercados. Dois garotos jovens, com facas na mão, apontavam-nas para nós. Aparentemente, os ladrões queriam a mochila da garota desconhecida. Eles também sabiam falar o idioma estranho e eu também os compreendia – ou achava que os compreendia pois, assustado pela situação, estava preocupado com minha companhia.
Porém, tão rápido quanto vieram, os ladrões se foram, carregando a mochila da garota desconhecida. Eles correram para a direção de onde nós viemos e desapareceram ao virar a esquina. Chocada, a garota desconhecida ficou a chorar lamentando alguma coisa e minha amiga virtual estava a consolá-la. O que quer que estivéssemos para fazer foi cancelado e decidimos levá-la para casa.


Após o motorista particular nos deixar na frente de uma pequena vila de casas, agradeci e paguei pela viagem. O portão da pequena vila rangeu ao ser aberto e entramos. A casa da menina ficava no meio da vila e não sei exatamente se podia chamar o espaço de casa: era apenas um cômodo que possuía uma cama beliche, uma geladeira e um fogão. Num canto do chão haviam alguns objetos e uma mala com roupas. Um tapete do tipo carpete cobria todo o solo, o que causava uma sensação de conforto nos pés.
A garota desconhecida escalou pela escada e deitou-se na cama de cima. Disse alguma coisa pra minha amiga virtual que respondeu “Tudo bem” de volta e me informou que ela pediu se poderíamos passar a noite ali com ela. Estranhei o pedido pois mal a conhecia mas supus que ela confiava em minha amiga virtual a tal ponto de não se importar com a minha presença em seu ambiente mais seguro. Assenti com a cabeça, afirmando que ficaria por ali também. De alguma forma senti que minha companhia seria importante.
Minha amiga virtual deitou-se na cama de baixo e perguntou como a garota desconhecida estava. Não obteve resposta e pude ouvir um choro baixo vindo da cama de cima. O que quer que houvesse naquela mochila, com certeza era algo de valor. Nesse momento, estranhei o fato de que nada mais nosso fora levado pelos ladrões além da mochila. Além disso, como que os ladrões também sabiam falar o idioma desconhecido e como eu era capaz de compreendê-los? Quem era a garota desconhecida e por que eu era a única pessoa que não a compreendia?
Sentado no chão com a cabeça apoiada na cama onde minha amiga virtual estava, fiquei a pensar nessas coisas sem muita prosperidade em algum resultado que fizesse coerência. Talvez eu devesse apenas aceitar o que estava acontecendo e não ficar buscando entender os detalhes. Perguntei inconscientemente se minha amiga virtual achava que a garota desconhecida ficaria bem.
“Acho que sim. Aquela mochila era importante para ela, mas acho que ela vai ficar bem.”
Quis perguntar sobre o que estava dentro da mochila mas me mantive calado.
Virei-me e toquei o cabelo dela. Também inconscientemente, agora estava lhe fazendo cafuné. Como não entendia nada do que estava acontecendo, aquele ato não parecia em nada absurdo. Minha amiga virtual fechou os olhos e pôs-se a dormir num sono leve. Continuei com o carinho em seu cabelo enquanto a admirava. O choro da garota desconhecida também havia parado e presumi que ela devia também estar dormindo.
Era uma noite estranha e eu não tinha sono devido aos fatos que tinham se desenrolado.
Beijei o rosto da minha amiga virtual levemente e deixei que ela dormisse. Olhando pro chão, tentava, ainda em vão, compreender meus pensamentos que estavam desorganizados e confusos.
De repente, um barulho fora da casa me alertou. Ele quebrou o silêncio que se fazia e eu me assustei.
Bateram na porta e eu levantei assustado. Eram batidas pesadas, como quem tinha pressa. Achei curioso que as batidas não causaram nenhum tipo de reação nas meninas, que dormiam tranquilamente na cama. Corri em direção à porta e a abri. Um homem com capuz tinha em mãos a mesma mochila que havia sido levada pelos ladrões.
“Aqui que mora a...”, e ele disse algo que não compreendi direito. Talvez fosse o nome da garota desconhecida.
Balancei a cabeça.
“Pois bem, considere a mochila devolvida.”
A fala dele era apressada, como quem queria terminar o que estivesse fazendo pois era uma tarefa incômoda. Não consegui reparar em seu rosto, o capuz lançava uma sombra que cobria boa parte dele e eu também não tinha acendido a luz da casa da garota desconhecida – aliás, havia alguma lâmpada ali?
Peguei a mochila, agradecendo. Ela estava estranhamente pesada mesmo parecendo compacta. Quando me abaixei para colocá-la no chão e me livrar o peso, o homem correu. Sem mais nem menos, desapareceu pelo portão de entrada da vila.
Fechei a porta e me abaixei para ver a mochila. Queria descobrir o que havia dentro dela. O que causava todo aquele peso.
Segurei o zíper e puxei e conforme fui abrindo senti meu corpo se afastar mais e mais da mochila. Não só da mochila, a sensação era que ele se afastava daquela realidade. De alguma forma estranha eu sabia o que era aquilo. Um barulho ao fundo foi crescendo cada vez mais.


Era meu despertador.
Eu havia despertado.

2 comentários:

  1. Me recuso, me recuso. Quero respostas, então trate de sonhar com a continuação kkkk Você escreve incrivelmente, de verdade.

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  2. O que realmente havia na mochila? Um despertador não seria pesada o suficiente para ser colocada no chão assim que recebeu ? Um sonho confuso ou uma bela metáfora?

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