quinta-feira, 12 de março de 2020

Vinte e quatro (ou Reflexões sobre a vida até agora)

O último ano foi de mudanças, tendo se assemelhado a uma montanha-russa, repleto de subidas e descidas, altos e baixos. No seu começo, ainda me sentia confuso em relação a inúmeras coisas, em especial sobre diversos momentos que geravam sentimentos que eu não tinha a ideia de como reagir perante a eles. Sempre gostei de refletir demais, pensar a fundo indo nos detalhes, tentando descrever minuciosamente o que quer que estivesse em minha cabeça, mas sentia uma incapacidade quando o assunto em questão eram os sentimentos que eu tinha dentro de mim. A primeira mudança veio justamente aí, quando comecei a fazer terapia psicológica em agosto, logo em sua primeira semana. No primeiro dia, fui apresentado a uma doutora cujo nome não consigo me recordar agora, e, por aproximadamente quarenta e cinco minutos, fiquei apenas a falar sobre como me sentia em relação à vida e suas desventuras, até que a ouvi falar de volta e me senti de forma estranha, como se o que ouvia fossem conselhos de uma pessoa desconhecida. Resolvi voltar na semana seguinte, mas a primeira doutora não estava mais para me atender, disseram-me que ela havia mudado de horário e eu seria atendido por outra. E lá fui eu, com a mochila nas costas, um tanto apreensivo para conhecer a nova doutora. Entrei em sua sala nervoso, fechei a porta e repeti todo o histórico anteriormente dito. Levaram duas sessões para traçar uma linha do tempo completa da minha vida. Lucas, me responda uma coisa, a doutora me disse e completou, você tem orgulho de si próprio, e nessa hora eu confesso ter congelado, sem saber o que dizer ou como reagir, e identifico esse como mais um dos momentos mais tensos que já tive. Respondi depois de muito pensar, Sim, e aqui gostaria de dizer que a pergunta feita pela doutora é, até onde possamos definir, uma pergunta simples e direta, responde-se com um simples sim ou não, mas o problema de toda a questão se trata do fato que para responder sim ou não é preciso ter-se em mente todo o mesmo histórico de vida levantado, ter cada detalhe pesado e medido de forma perfeita, compreender tudo que passou até chegarmos aqui e isso é extremamente difícil de ser feito, especialmente para mim, pois nunca tive uma visão positiva sobre meu caminho e raramente senti orgulho de alguma coisa que fiz. Sim, eu tenho orgulho, foi o que respondi, e toda a minha vida passou em minha mente exatamente como as pessoas insinuam quando dizem que alguém está prestes a morrer, como se um retroprojetor tivesse saltado dos aléns que preenchem meu cérebro e o tivesse inundado com cenas perdidas e making-ofs de minha história. Sim, eu tenho orgulho, foi o eu que disse, e hoje posso repetir com uma maior convicção pois passei o dia a refazer cada passo de minha trajetória e, com um novo olhar, pude identificar e clarificar melhor minha vida.
         É curioso notar que escrevo tudo isso logo após ter terminado de ler O Estrangeiro, livro escrito por Albert Camus, jornalista e filósofo francês, no ano de 1942. O livro traz um retrato de como seria uma vida absurda, e esse conceito do absurdismo foi introduzido pelo mesmo Albert Camus em outro livro seu, O Mito de Sísifo, onde ele explica e discute os pontos de sua filosofia de vida. Durante a leitura, em inúmeros pontos, me identifiquei com a personagem protagonista do livro, Meursault, um homem que se sente indiferente a diversas situações cotidianas, mas que adora contemplar outras de tal forma que suas descrições no livro trazem uma sensação de desconforto e incômodo, a depender de como sua abordagem e leitura se dão para com o livro. Questionei-me sobre vários momentos que passei e propus alternativas, Como Seria Se, a diversas escolhas que tomei. Nessa hora a ficha caiu, a cortina se abriu, a luz no fim do túnel se acendeu, e tive então a certeza de que, tenham sido tais momentos absurdos ou não, seus significados hoje não tem mais sentido, visto que o Lucas de hoje não é mais o mesmo que viveu naqueles momentos. Hoje o passado é, para mim, como uma referência num final de livro para consulta, como uma nota de rodapé para explicar uma determinado fato já acontecido.
         Outro fator importante que me surgiu no último ano foi a presença da ansiedade em mim. Descobri ser ansioso e isso foi algo herdado durante os anos que foram se passando. Escrevendo tudo isto, noto o quão absurdo é o fato de ter-me visto refletido em Meursault e sua indiferença quando, ao mesmo tempo, a ansiedade em mim me causava até quase pânico, dependendo do que fosse o assunto, pois minha mente criava automaticamente variantes das possíveis reações que minhas ações poderiam gerar, ou pior, escolhia uma delas como a verdade-absoluta e decidia que seria assim e nada iria mudar. É uma dualidade um tanto irônica, mas compreendo melhor hoje que, na verdade, o que me acontece é algo chamado fator de defesa, em que meu psicológico prefere ignorar uma reação que foi maximizada pela ansiedade ao invés de encarar de frente o que quer que pudesse me acontecer. No fundo, tudo isso se trata do assunto de que existem coisas que ainda não sei como reagir quando me deparo com elas. As expectativas quanto a isso ou ficam altíssimas ou são praticamente nulas, ou eu me preocupo demais ou eu fico completamente indiferente. A ansiedade de hoje, estou aprendendo a controlar, e posso dizer que já me acostumei com essa reação, acabou se tornando parte de mim, acabei aceitando o absurdo da vida. Me preocupo com o amanhã quando ele chegar, assim como com as reações que minhas ações trouxerem. Amadurecer é buscar um equilíbrio.
         Mas, no fim, tudo isso se trata de um processo, longo, demorado e às vezes cansativo. É difícil manter esse equilíbrio citado que varia entre o alto e o baixo, entre a subida e a descida, mas hoje entendo que a vida é assim mesmo e que, na verdade, a graça de viver está bem aí. Conversando ontem, no meu último dia com vinte e três anos, ouvi que a vida fica mais interessante quando se assemelha a um filme de ação e romance. Nunca tinha pensado por este lado, mas até que vejo uma ideia por trás, que se explica até de maneira simples, basta que tenhamos em mente que existem os momentos do mais puro êxtase causado pelas constantes cenas de ação, assim como existem os momentos de tristezas e cabisbaixismos, causados pelos momentos em que tudo parece estar caindo. É como diz José Saramago em sua obra O Homem Duplicado, Às vezes perguntamo-nos por que tardou tanto a felicidade a chegar, por que não veio mais cedo, mas se nos aparece de improviso, como neste caso, quando já não a esperávamos, então o mais provável é que não saibamos o que fazer, e não é tanto a questão de escolher entre o rir e o chorar, é a secreta angústia de pensar que talvez não consigamos estar à altura. Que no meu vigésimo quarto ano eu aprenda melhor a estar cada vez mais à altura de mim mesmo, descobrindo e mergulhando profundamente no oceano que habita em mim e contemplando cada pedaço do universo que me compõe, deixando-me sempre transbordar através de lágrimas ou com um grande sorriso no rosto.
/ 12 mar 2020

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