domingo, 13 de dezembro de 2020

A encomenda da amizade


“POSSO DEIXAR A BICICLETA aqui enquanto pego uma encomenda?” 
Eu tinha acabado de chegar à portaria. Aqui, no condomínio onde estou morando, as entregas não são feitas diretamente nas casas. Pelo contrário, ficam na entrada do condomínio, onde são registradas como recebidas e aguardam nossa retirada. Desde que me mudei pra cá, nunca entendi direito porque isso acontece. Explico: literalmente todas as casas do condomínio possuem aquela caixinha de correio no gramado da frente. E literalmente nenhuma das casas recebe nada nessa caixinha. 
O segurança da portaria me deu um O.K. com a cabeça. Apoiei a bicicleta em seu suporte e subi os degraus da portaria. Bati na porta, pedi minha encomenda, assinei o caderno de registro, agradeci ao porteiro e voltei à bicicleta. 
“Mais um quadrinho pra coleção”, disse ao segurança sorrindo. 
“Qual é esse aí?” 
A pergunta com certeza me surpreendeu. Respondi o nome. 
“Rapaz, esse daí é bom demais. Eu preciso terminar de assistir à versão animada.” 
Mais uma surpresa. 
“Espera, você conhece!?” 
Acho que aqui vale mais uma explicação: eu até hoje não perguntei, mas tenho a certeza de que esse segurança possui mais de quarenta anos. É um chute. Bem chute mesmo. Não imaginava que as pessoas com mais de quarenta anos assistiam desenhos animados, ainda mais se tratando dos com origem japonesa. 
“Se conheço! Esse daí é um dos meus favoritos. Só não superou aquele outro, aquele outro com certeza é melhor, mas esse daí é muito bom também. Quer dizer que esse daí é uma história em quadrinhos?” 
Procedi para explicar que a maioria dos desenhos animados de origem japonesa nascem das histórias em quadrinhos e então são adaptados para as telas. 
“Que curioso... Eu não sabia disso.”
Fez uma pausa e então disse:
“Mas, ei, você é novo por aqui? Ainda não te vi pelo condomínio...”
“Sim, sou novo por aqui. Eu e minha família somos daquela casa que fica no final da rua.” 
“A nova casa colonial? Então aquele quarto com a parede repleta de livros é seu?” 
Mais uma surpresa. E mais uma explicação também: recentemente, decidi que ia preencher uma parede inteira do meu quarto com minha coleção pessoal. São seis prateleiras repletas dos mais variados livros. Ela chama uma boa atenção quando vista da rua, justamente por ocupar um espaço grande. 
Pois bem, após confirmar que, realmente, o quarto era meu, ficamos a conversar por um bom tempo sobre minha coleção e o que ele conhecia da lista. 
E foi graças a uma encomenda que eu fiz uma baita amizade. Durante as rondas noturnas, esse segurança sempre para aqui na frente e ficamos batendo um papo sobre os mais variados assuntos, desde livros e quadrinhos até filosofias de vida e reflexões. 
Abençoada seja aquela encomenda!

Lucas Cristovam, 12 de dezembro de 2020,
Parnamirim, Rio Grande do Norte, Brasil.

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