FOI NA NOITE DE SÁBADO. Eu
tinha acabado de sentar no assento do ônibus onde quase sempre ando sentando
quando me locomovo pela cidade. É o assento de frente ao banco ao contrário que
mencionei num texto anterior. Tirei o livro que tinha acabado de comprar no shopping
quando vejo uma pessoa ameaçando passar para sentar à minha frente.
—
Ops... Pode passar! — eu disse à moça.
—
Não, obrigado, vou sentar aqui ao lado mesmo.
—
Ah, certo. É tão difícil ver alguém sentando no banco ao contrário.
—
Realmente. Eu até cogitei a ideia de sentar ali, mas então notei que ia ficar
de costas para o trajeto e de frente para todo o resto do ônibus...
—
Sei exatamente como se sente! Eu até gosto de me sentar ali, mas vejo que é uma
tremenda responsabilidade. Parece que todo mundo decide encarar você bem no
fundo dos olhos.
—
É! Eu mesma só me sento por ali quando não tem mais nenhum lugar possível para
sentar.
—
Isso me lembra um fato engraçado que ocorreu há duas semanas: eu estava
exatamente aqui, neste mesmo banco, chorando, em plena segunda de manhã. E
tinha uma mulher que sentou de frente para mim e ficou a me encarar, com cara estranha,
provavelmente imaginando o que estaria me levando a ficar desse jeito.
— Ela provavelmente sentiu o
peso de querer saber se poderia ajudar em algo...
— A tal “tremenda
responsabilidade”!
Depois de rirmos por um tempo,
voltei à minha leitura. Alguns pontos depois, sobe uma pessoa que encara de
lado o banco ao contrário logo na roleta. Encolhi minhas pernas, abrindo espaço
novamente e noto que o mesmo foi feito pela moça ao lado.
— Ela não vai sentar ali, quer
apostar? — ouço-a sussurrar para mim.
E não sentou mesmo. Passou
direto.
— É, é realmente uma
responsabilidade que poucos conseguem encarar.
— Eu estava jurando que ela ia
vir com tudo e que teríamos nossa companhia ao contrário durante o resto do
trajeto!
— Não foi dessa vez. E eu bem
notei que você puxou as pernas pra deixá-la passar... Acho que faltou coragem
para ela.
— E eu fiz tal movimento como quem
não queria nada!
Rindo, virei-me à procura da
moça que passou direto e noto que ela sentou bem atrás de nós dois.
— Ela está nas nossas costas e
estamos falando alto dela! — dessa vez, eu que sussurro.
— Mentira? — o tom de
descrença e surpresa me fizeram soltar uma risada alta.
Ficamos a rir e conversar
durante todo o resto do percurso, dando pausas toda vez que alguém subia no
ônibus, torcendo para que viessem sentar no banco ao contrário. Não
aconteceu.
— Parece que não vai ser hoje
que teremos o corajoso...
— Essa com certeza é uma das
conversas mais aleatórias que já tive em um ônibus.
— O que posso dizer? São
aquelas conversas de um sábado à noite...
— Isso definitivamente dá um
belo título pra minha próxima crônica.
A vida tem alguns momentos
únicos, e saber aproveitá-los é fundamental. Vivemos numa sociedade ansiosa,
sempre olhando pro amanhã, sem saber contemplar o agora. Essa crônica foi
escrita justamente para que eu guardasse a memória de risadas gostosas que dei
numa noite de sábado, voltando para casa, em um ônibus.
Obrigado, Shyrlane, por
realmente me proporcionar uma das conversas mais aleatórias que já tive. Espero
que numa próxima viagem em que eu te encontrar, tenhamos a sorte de conhecer o
tal corajoso que sentará no banco ao contrário...
/28 out 2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário